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Modificações processuais decorrentes da Lei 14.195/2021 e devido processo legislativo

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Professor Universitário. Advogado.

A Lei 14.195, de 26 de agosto de 2021, dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas, sobre a proteção de acionistas minoritários, sobre a facilitação do comércio exterior, sobre o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), sobre as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, sobre a profissão de tradutor e intérprete público, sobre a obtenção de eletricidade, sobre a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente no Código Civil.

Trata-se de diploma legal aprovado em conversão da Medida Provisória 1.040/2021. No curso da sua apreciação pelo Congresso Nacional, diversas previsões que não constavam em seu texto original foram incluídas no Projeto de Lei de Conversão 15/2021.

O Capítulo X da Lei 14.195/2021 dispõe sobre racionalização processual. Nesse contexto, o art. 44 da Lei 14.195/2021 modificou vários dispositivos do Código de Processo Civil, a seguir indicados:

I) art. 77, sobre deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que participem do processo[1];

II) art. 231, sobre dia do começo do prazo na citação por meio eletrônico[2];

III) art. 238, sobre prazo para efetivação da citação[3];

IV) art. 246, sobre forma preferencial de realização da citação[4];

V) art. 247, sobre citação por meio eletrônico ou pelo correio[5];

VI) art. 397, sobre exibição de documento ou coisa[6];

VII) art. 921, sobre prescrição no curso do processo[7].

Essas previsões não constavam na Medida Provisória 1.040/2021, mesmo porque é vedada a edição de medida provisória sobre matéria relativa a Direito Processual Civil (art. 62, § 1º, inciso I, alínea b, da Constituição da República, incluída pela Emenda Constitucional 32/2001).

Na mesma linha, o art. 53 da Lei 14.195/2021 modificou o art. 44 da Lei 4.886/1965, sobre falência e recuperação judicial do representado na representação comercial autônoma[8]. Com isso, passou-se a tratar de matéria diversa da Medida Provisória 1.040/2021, não dizendo respeito à facilitação para abertura de empresas e temas relacionados. Além disso, o dispositivo envolve matéria processual, quanto à competência do juízo da recuperação judicial (art. 44, parágrafo único, da Lei 4.886/1965, com redação dada pela Lei 14.195/2021).

Como se pode notar, as modificações sobre Direito Processual Civil foram inseridas apenas no Projeto de Lei de Conversão 15/2021, em contrariedade ao devido processo legislativo a ser observado na apreciação de medida provisória, impedindo o debate amplo e democrático a respeito das questões envolvidas[9].

Nesse sentido, cabe fazer referência ao seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

“Direito Constitucional. Controle de constitucionalidade. Emenda parlamentar em projeto de conversão de medida provisória em lei. Conteúdo temático distinto daquele originário da medida provisória. Prática em desacordo com o princípio democrático e com o devido processo legal (devido processo legislativo). 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória” (STF, Pleno, ADI 5.127/DF, Red. p/ ac. Min. Edson Fachin, DJe 11.05.2016).

Conclui-se ser fundamental que as normas constitucionais sejam observadas por todos, notadamente pelos Poderes constituídos, inclusive quanto ao devido processo legislativo. Além disso, se os textos normativos passam a ser interpretados e aplicados com a adoção de sentidos completamente diversos de suas determinações, os pilares do Estado Democrático de Direito são rompidos, com prejuízos irreparáveis à segurança jurídica, essencial não apenas ao ambiente dos negócios, como ao desenvolvimento e à harmonia nas relações sociais.


[1] “Art. 77. […] VII – informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações”.

[2] “Art. 231. […] IX – o quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico”.

[3] “Art. 238. […] Parágrafo único. A citação será efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação”.

[4] “Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça. I – (revogado); II – (revogado); III – (revogado); IV – (revogado); V – (revogado). § 1º As empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. § 1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação: I – pelo correio; II – por oficial de justiça; III – pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV – por edital. § 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente. § 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico. […]. § 4º As citações por correio eletrônico serão acompanhadas das orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante. § 5º As microempresas e as pequenas empresas somente se sujeitam ao disposto no § 1º deste artigo quando não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). § 6º Para os fins do § 5º deste artigo, deverá haver compartilhamento de cadastro com o órgão do Poder Judiciário, incluído o endereço eletrônico constante do sistema integrado da Redesim, nos termos da legislação aplicável ao sigilo fiscal e ao tratamento de dados pessoais”.

[5] “Art. 247. A citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do País, exceto: […]”.

[6] “Art. 397. […] I – a descrição, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa, ou das categorias de documentos ou de coisas buscados; II – a finalidade da prova, com indicação dos fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa, ou com suas categorias; III – as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe, ainda que a referência seja a categoria de documentos ou de coisas, e se acha em poder da parte contrária”.

[7] “Art. 921. […] III – quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis; […] § 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo. § 4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz. § 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes. § 6º A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação de que trata o § 4º deste artigo. § 7º Aplica-se o disposto neste artigo ao cumprimento de sentença de que trata o art. 523 deste Código”.

[8] “Art. 44. No caso de falência ou de recuperação judicial do representado, as importâncias por ele devidas ao representante comercial, relacionadas com a representação, inclusive comissões vencidas e vincendas, indenização e aviso prévio, e qualquer outra verba devida ao representante oriunda da relação estabelecida com base nesta Lei, serão consideradas créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas para fins de inclusão no pedido de falência ou plano de recuperação judicial. Parágrafo único. Os créditos devidos ao representante comercial reconhecidos em título executivo judicial transitado em julgado após o deferimento do processamento da recuperação judicial, e a sua respectiva execução, inclusive quanto aos honorários advocatícios, não se sujeitarão à recuperação judicial, aos seus efeitos e à competência do juízo da recuperação, ainda que existentes na data do pedido, e prescreverá em 5 (cinco) anos a ação do representante comercial para pleitear a retribuição que lhe é devida e os demais direitos garantidos por esta Lei”.

[9] “2. Afronta ao princípio democrático, ao postulado da separação entre os Poderes e à garantia do devido processo legislativo, à ausência de pertinência temática entre a matéria veiculada na emenda parlamentar e o objeto da medida provisória submetida à conversão em lei. 3. Em 15.10.2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, embora reconhecendo formalmente inconstitucional, a teor dos arts. 1º, caput e parágrafo único, 2º, caput, e 5º, LIV, da Carta Política, a inclusão de emenda, em projeto de conversão de medida provisória em lei, versando conteúdo divorciado do seu objeto originário, ao julgamento da ADI 5127, forte no princípio da segurança jurídica, afirmou a validade dos preceitos normativos resultantes de emendas a projetos de lei de conversão, ainda que sem relação com o objeto da medida provisória, aprovados antes da data daquele julgamento” (STF, Pleno, ADI 5.012/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 01.02.2018).

Posted on 1 de setembro de 2021 in Artigos

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Sobre o Autor

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pesquisa de Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Advogado, Parecerista e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro de Conselhos Editoriais de diversas Revistas e Periódicos especializados na área do Direito. Autor de vários livros, estudos e artigos jurídicos.