GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.
A Assistência Social é sistema de proteção voltado às pessoas desamparadas em termos sociais e econômicos (arts. 6º e 194 da Constituição da República), como forma de preservar a dignidade humana, construir uma sociedade justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (arts. 1º, inciso III, e 3º, incisos I e III, da Constituição da República).
Nesse contexto, a Assistência Social deve ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social, e tem por objetivos, entre outros: a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 203, incisos III, IV e V, da Constituição da República).
Esse último aspecto diz respeito ao benefício de prestação continuada, voltado à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos (art. 20 da Lei 8.742/1993).
Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 13.146/2015).
A Lei 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, no art. 94, determina que tem direito a auxílio-inclusão, nos termos da lei, a pessoa com deficiência moderada ou grave que: I – receba o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/1993, e que passe a exercer atividade remunerada que a enquadre como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social; II – tenha recebido, nos últimos cinco anos, o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/1993, e que exerça atividade remunerada que a enquadre como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social[1].
De forma mais recente, nos termos do art. 26-A da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021 (com entrada em vigor em 1º de outubro de 2021), tem direito à concessão do auxílio-inclusão de que trata o art. 94 da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) a pessoa com deficiência moderada ou grave que, cumulativamente:
I – receba o benefício de prestação continuada, de que trata o art. 20 da Lei 8.742/1993, e passe a exercer atividade: a) que tenha remuneração limitada a dois salários mínimos; e b) que enquadre o beneficiário como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social ou como filiado a Regime Próprio de Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
II – tenha inscrição atualizada no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) no momento do requerimento do auxílio-inclusão;
III – tenha inscrição regular no CPF; e
IV – atenda aos critérios de manutenção do benefício de prestação continuada, incluídos os critérios relativos à renda familiar mensal per capita exigida para o acesso ao benefício, observado o disposto no § 4º do art. 26-A da Lei 8.742/1993.
O auxílio-inclusão pode ainda ser concedido, nos termos do inciso I do art. 26-A da Lei 8.742/1993, mediante requerimento e sem retroatividade no pagamento, ao beneficiário:
I – que tenha recebido o benefício de prestação continuada nos cinco anos imediatamente anteriores ao exercício da atividade remunerada; e
II – que tenha tido o benefício suspenso nos termos do art. 21-A da Lei 8.742/1993 (ou seja, quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual).
Como se pode notar, tanto a Lei 13.146/2015 como a Lei 14.176/2021 estabelecem o direito ao auxílio-inclusão à pessoa com deficiência moderada ou grave, afastando, sem fundamento razoável, a pessoa com deficiência leve do acesso ao mencionado benefício. Trata-se de restrição passível de questionamento, por contrariar os princípios constitucionais da proibição de discriminação e da igualdade (art. 3º, inciso IV, e art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988), bem como, de forma mais específica, o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços da Seguridade Social (art. 194, parágrafo único, inciso II, da Constituição da República). A questão, no entanto, pode gerar controvérsia, tendo em vista o princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços da Seguridade Social (art. 194, parágrafo único, inciso III, da Constituição da República).
O valor do auxílio-inclusão percebido por um membro da família não deve ser considerado no cálculo da renda familiar mensal per capita de que trata o inciso IV do art. 26-A da Lei 8.742/1993, para fins de concessão e de manutenção de outro auxílio-inclusão no âmbito do mesmo grupo familiar.
Esclareça-se que o valor do auxílio-inclusão e o valor da remuneração do beneficiário do auxílio-inclusão de que trata a alínea a do inciso I do art. 26-A da Lei 8.742/1993 percebidos por um membro da família não devem ser considerados no cálculo da renda familiar mensal per capita de que tratam os §§ 3º e 11-A do art. 20 da Lei 8.742/1993 para fins de manutenção de benefício de prestação continuada concedido anteriormente a outra pessoa do mesmo grupo familiar.
Para fins de cálculo da renda familiar per capita de que trata o inciso IV do art. 26-A da Lei 8.742/1993, devem ser desconsideradas: I – as remunerações obtidas pelo requerente em decorrência de exercício de atividade laboral, desde que o total recebido no mês seja igual ou inferior a dois salários mínimos; II – as rendas oriundas dos rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem (art. 26-A, § 4º, da Lei 8.742/1993).
O auxílio-inclusão é devido a partir da data do requerimento, e o seu valor corresponde a 50% do valor do benefício de prestação continuada em vigor (art. 26-B da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021). Logo, o valor do auxílio-inclusão é de metade do salário mínimo.
Ao requerer o auxílio-inclusão, o beneficiário deve autorizar a suspensão do benefício de prestação continuada, nos termos do art. 21-A da Lei 8.742/1993. Além disso, o pagamento do auxílio-inclusão não será acumulado com o pagamento de: I – benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei 8.742/1993; II – prestações a título de aposentadoria, de pensões ou de benefícios por incapacidade pagos por qualquer regime de Previdência Social; ou III – seguro-desemprego (art. 26-C da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021).
Frise-se que o pagamento do auxílio-inclusão cessa na hipótese de o beneficiário deixar de atender aos critérios de manutenção do benefício de prestação continuada, ou deixar de atender aos critérios de concessão do auxílio-inclusão.
Ato do Poder Executivo federal deve dispor sobre o procedimento de verificação dos critérios de manutenção e de revisão do auxílio-inclusão (art. 26-D da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021).
O auxílio-inclusão não está sujeito a desconto de qualquer contribuição e não gera direito a pagamento de abono anual (art. 26-E da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021).
Compete ao Ministério da Cidadania a gestão do auxílio-inclusão, e ao INSS a sua operacionalização e pagamento (art. 26-F da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021).
As despesas decorrentes do pagamento do auxílio-inclusão correrão à conta do orçamento do Ministério da Cidadania (art. 26-G da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021). Trata-se de previsão que certamente decorre do disposto no art. 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988, ao estabelecer que nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
O Poder Executivo federal deve compatibilizar o quantitativo de benefícios financeiros do auxílio-inclusão de que trata o art. 26-A da Lei 8.742/1993 com as dotações orçamentárias existentes.
Pode-se dizer que o auxílio-inclusão tem natureza jurídica de benefício assistencial, por se tratar de prestação pecuniária que independe de contribuição à Seguridade Social pelo beneficiário (art. 203 da Constituição Federal de 1988), tendo como objetivo a promoção da integração da pessoa com deficiência à vida comunitária (art. 203, inciso IV, parte final, da Constituição Federal de 1988).
O Regulamento deve indicar o órgão do Poder Executivo responsável por avaliar os impactos da concessão do auxílio-inclusão na participação no mercado de trabalho, na redução de desigualdades e no exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, nos termos do art. 37, § 16, da Constituição Federal de 1988 (art. 26-G, § 2º, da Lei 8.742/1993)[2].
No prazo de 10 anos, contado da data de publicação da Lei 14.176/2021 (Diário Oficial da União de 23.06.2021), deve ser promovida a revisão do auxílio-inclusão, observado o disposto no art. 26-G, § 2º, da Lei 8.742/1993, com vistas a seu aprimoramento e ampliação (art. 26-H da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021).
Por fim, registre-se que os eventuais débitos do beneficiário decorrentes de recebimento irregular do benefício de prestação continuada ou do auxílio-inclusão podem ser consignados no valor mensal desses benefícios, nos termos do Regulamento (art. 40-C da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei 14.176/2021).
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 359.
[2] “§ 16. Os órgãos e entidades da administração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei” (incluído pela Emenda Constitucional 109/2021).
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