GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA
Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.
Discute-se a respeito da atualização monetária e dos juros de mora aplicáveis aos créditos trabalhistas.
A correção monetária, como o nome indica, tem como objetivo a mera atualização do valor em razão do tempo transcorrido. Os juros, no caso, decorrem do atraso no pagamento da obrigação[1].
O art. 39, caput, da Lei 8.177/1991 prevê que os “débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”.
Na realidade, esse dispositivo legal versa sobre correção monetária, e não juros propriamente.
Os juros são disciplinados no art. 39, § 1º, da Lei 8.177/1991, ao estabelecer que aos “débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”.
Ainda nesse contexto, o art. 15 da Lei 10.192/2001 dispõe que permanecem “em vigor as disposições legais relativas à correção monetária de débitos trabalhistas, de débitos resultantes de decisão judicial, de débitos relativos a ressarcimento em virtude de inadimplemento de obrigações contratuais e do passivo de empresas e instituições sob os regimes de concordata, falência, intervenção e liquidação extrajudicial”[2].
A TRD (Taxa Referencial Diária) foi extinta pela Lei 8.660/1993 (art. 2º). Com isso, os débitos trabalhistas passaram a ser corrigidos monetariamente pelo índice da TR (Taxa Referencial), previsto no art. 1º da Lei 8.660/1993, que é aplicado aos depósitos de poupança (art. 7º da Lei 8.660/1993). A TR tem como objetivo apenas a correção monetária, e não os juros.
O Tribunal Superior do Trabalho, em arguição de inconstitucionalidade, chegou a decidir que os créditos trabalhistas devem ser atualizados com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Decidiu-se ser inconstitucional a expressão “equivalentes à TRD”, prevista no art. 39, caput, da Lei 8.177/1991, dando interpretação conforme à Constituição para o restante do dispositivo, com o objetivo de assegurar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas (TST, Pleno, ArgInc 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 14.08.2015).
De acordo com o art. 879, § 7º, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial deve ser feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei 8.177/1991.
O art. 899, § 4º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, dispõe que o depósito recursal deve ser feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança.
Essas previsões, decorrentes da Lei 13.467/2017, foram objeto de ações de controle abstrato de constitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedentes os pedidos em ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho devem ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam, a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil) (STF, Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020).
Esclareça-se que como a SELIC engloba juros e correção monetária, com a sua incidência fica vedada a cumulação com outros índices.
O Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da referida decisão, ao entendimento de que (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa SELIC (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC) e (iii) igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a questão deve-se aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais) (STF, Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020).
A mencionada decisão é passível de crítica, pois as referidas ações de controle abstrato de constitucionalidade tinham como objeto a incidência da Taxa Referencial (TR) para a atualização dos créditos decorrentes de condenação na Justiça do Trabalho, conforme previsão da Lei 13.467/2017, e não tratavam de juros propriamente. Ao estabelecer a aplicação da SELIC a partir da citação, foi excluída a incidência dos juros expressamente previstos no art. 39, § 1º, da Lei 8.177/1991, matéria que não era objeto de discussão nas referidas ações[3]. Além disso, em razão dessa previsão legal específica quanto a créditos trabalhistas, nos termos do art. 8º, § 1º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, não seria cabível a aplicação subsidiária do art. 406 do Código Civil. Registre-se que antes do ajuizamento da ação trabalhista, em que se prevê a aplicação do IPCA-E, não há incidência de juros (art. 883 da CLT).
Como consequência prática, a referida decisão do STF acabou por afastar a aplicação do dispositivo a respeito de juros quanto a créditos trabalhistas (art. 39, § 1º, da Lei 8.177/1991). A jurisdição, entretanto, não é o meio legitimamente adequado para se excluir a eficácia de norma legal em vigor, não declarada inconstitucional, conforme estabelece o art. 2º da Constituição da República, ao prever a independência e a harmonia entre os Poderes.
Tendo em vista que a mencionada decisão do STF, ao tratar da modulação de efeitos, faz referência ao art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC, sobre impugnação da execução pela Fazenda Pública, há indicação de ser aplicável mesmo em condenação da Fazenda Pública na Justiça do Trabalho. Nesse caso, a referida decisão também é passível de crítica, por estabelecer tratamento desigual a respeito da atualização monetária e juros de crédito trabalhista devido pela Fazenda Pública, sem justificativa lógica para a diferenciação quanto à atualização monetária e juros de outros créditos não tributários devidos pela Fazenda Pública (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20.11.2017). Nesse julgamento, envolvendo condenação da Fazenda Pública em direito de natureza não tributária, foi estabelecida a atualização monetária conforme o IPCA-E e foram fixados os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009)[4].
No caso de depósito recursal feito na Justiça do Trabalho, por não dizer respeito à fase pré-judicial, passa a incidir a taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia). A mencionada decisão do STF (Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020), mesmo nesse ponto, também é passível de crítica, pois a SELIC engloba juros e correção monetária, mas o art. 899, § 4º, da CLT prevê que o depósito recursal feito em conta vinculada ao juízo deve ser corrigido, ou seja, estabelece apenas a correção monetária, e não a incidência de juros.
Espera-se, assim, que as questões envolvendo atualização monetária e juros de créditos trabalhistas e correção monetária de depósito recursal na Justiça do Trabalho sejam objeto de pronta harmonização.
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 726-727.
[2] Cf. Orientação Jurisprudencial 300 da SBDI-I do TST: “Execução trabalhista. Correção monetária. Juros. Lei nº 8.177/1991, art. 39, e Lei nº 10.192/2001, art. 15. Não viola norma constitucional (art. 5º, II e XXXVI) a determinação de aplicação da TRD, como fator de correção monetária dos débitos trabalhistas, cumulada com juros de mora, previstos no artigo 39 da Lei nº 8.177/1991 e convalidados pelo artigo 15 da Lei nº 10.192/2001”.
[3] “2. Embora no controle abstrato de constitucionalidade a causa de pedir seja aberta, o pedido da inicial deve ser certo e determinado. Impossibilidade de o julgador ampliar o objeto da demanda de ofício” (STF, Pleno, ADPF 347 TPI-Ref/DF, Red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, DJe 01.07.2020).
[4] O Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes teses em recurso extraordinário com repercussão geral: “I – O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; II – O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina” (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20.11.2017).
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