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Currículo


Livre−Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pesquisa de Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Advogado, Parecerista e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro de Conselhos Editoriais de diversas Revistas e Periódicos especializados na área do Direito. Autor de vários livros, estudos e artigos jurídicos.

Obras

Artigos

Atualização monetária e juros de crédito trabalhista na recente decisão do STF

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

Discute-se a respeito da atualização monetária e dos juros de mora aplicáveis aos créditos trabalhistas.

A correção monetária, como o nome indica, tem como objetivo a mera atualização do valor em razão do tempo transcorrido. Os juros, no caso, decorrem do atraso no pagamento da obrigação[1].

O art. 39, caput, da Lei 8.177/1991 prevê que os “débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”.

Na realidade, esse dispositivo legal versa sobre correção monetária, e não juros propriamente.

Os juros são disciplinados no art. 39, § 1º, da Lei 8.177/1991, ao estabelecer que aos “débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”.

Ainda nesse contexto, o art. 15 da Lei 10.192/2001 dispõe que permanecem “em vigor as disposições legais relativas à correção monetária de débitos trabalhistas, de débitos resultantes de decisão judicial, de débitos relativos a ressarcimento em virtude de inadimplemento de obrigações contratuais e do passivo de empresas e instituições sob os regimes de concordata, falência, intervenção e liquidação extrajudicial”[2].

A TRD (Taxa Referencial Diária) foi extinta pela Lei 8.660/1993 (art. 2º). Com isso, os débitos trabalhistas passaram a ser corrigidos monetariamente pelo índice da TR (Taxa Referencial), previsto no art. 1º da Lei 8.660/1993, que é aplicado aos depósitos de poupança (art. 7º da Lei 8.660/1993). A TR tem como objetivo apenas a correção monetária, e não os juros.

O Tribunal Superior do Trabalho, em arguição de inconstitucionalidade, chegou a decidir que os créditos trabalhistas devem ser atualizados com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Decidiu-se ser inconstitucional a expressão “equivalentes à TRD”, prevista no art. 39, caput, da Lei 8.177/1991, dando interpretação conforme à Constituição para o restante do dispositivo, com o objetivo de assegurar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas (TST, Pleno, ArgInc 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 14.08.2015).

De acordo com o art. 879, § 7º, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial deve ser feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei 8.177/1991.

O art. 899, § 4º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, dispõe que o depósito recursal deve ser feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança.

Essas previsões, decorrentes da Lei 13.467/2017, foram objeto de ações de controle abstrato de constitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedentes os pedidos em ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho devem ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam, a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil) (STF, Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020).

Esclareça-se que como a SELIC engloba juros e correção monetária, com a sua incidência fica vedada a cumulação com outros índices.

O Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da referida decisão, ao entendimento de que (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa SELIC (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC) e (iii) igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a questão deve-se aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais) (STF, Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020).

A mencionada decisão é passível de crítica, pois as referidas ações de controle abstrato de constitucionalidade tinham como objeto a incidência da Taxa Referencial (TR) para a atualização dos créditos decorrentes de condenação na Justiça do Trabalho, conforme previsão da Lei 13.467/2017, e não tratavam de juros propriamente. Ao estabelecer a aplicação da SELIC a partir da citação, foi excluída a incidência dos juros expressamente previstos no art. 39, § 1º, da Lei 8.177/1991, matéria que não era objeto de discussão nas referidas ações[3]. Além disso, em razão dessa previsão legal específica quanto a créditos trabalhistas, nos termos do art. 8º, § 1º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, não seria cabível a aplicação subsidiária do art. 406 do Código Civil. Registre-se que antes do ajuizamento da ação trabalhista, em que se prevê a aplicação do IPCA-E, não há incidência de juros (art. 883 da CLT).

Como consequência prática, a referida decisão do STF acabou por afastar a aplicação do dispositivo a respeito de juros quanto a créditos trabalhistas (art. 39, § 1º, da Lei 8.177/1991). A jurisdição, entretanto, não é o meio legitimamente adequado para se excluir a eficácia de norma legal em vigor, não declarada inconstitucional, conforme estabelece o art. 2º da Constituição da República, ao prever a independência e a harmonia entre os Poderes.

Tendo em vista que a mencionada decisão do STF, ao tratar da modulação de efeitos, faz referência ao art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC, sobre impugnação da execução pela Fazenda Pública, há indicação de ser aplicável mesmo em condenação da Fazenda Pública na Justiça do Trabalho. Nesse caso, a referida decisão também é passível de crítica, por estabelecer tratamento desigual a respeito da atualização monetária e juros de crédito trabalhista devido pela Fazenda Pública, sem justificativa lógica para a diferenciação quanto à atualização monetária e juros de outros créditos não tributários devidos pela Fazenda Pública (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20.11.2017). Nesse julgamento, envolvendo condenação da Fazenda Pública em direito de natureza não tributária, foi estabelecida a atualização monetária conforme o IPCA-E e foram fixados os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009)[4].

No caso de depósito recursal feito na Justiça do Trabalho, por não dizer respeito à fase pré-judicial, passa a incidir a taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia). A mencionada decisão do STF (Pleno, ADI 5.867/DF, ADI 6.021/DF, ADC 58/DF, ADC 59/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.12.2020), mesmo nesse ponto, também é passível de crítica, pois a SELIC engloba juros e correção monetária, mas o art. 899, § 4º, da CLT prevê que o depósito recursal feito em conta vinculada ao juízo deve ser corrigido, ou seja, estabelece apenas a correção monetária, e não a incidência de juros.

Espera-se, assim, que as questões envolvendo atualização monetária e juros de créditos trabalhistas e correção monetária de depósito recursal na Justiça do Trabalho sejam objeto de pronta harmonização.

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 726-727.

[2] Cf. Orientação Jurisprudencial 300 da SBDI-I do TST: “Execução trabalhista. Correção monetária. Juros. Lei nº 8.177/1991, art. 39, e Lei nº 10.192/2001, art. 15. Não viola norma constitucional (art. 5º, II e XXXVI) a determinação de aplicação da TRD, como fator de correção monetária dos débitos trabalhistas, cumulada com juros de mora, previstos no artigo 39 da Lei nº 8.177/1991 e convalidados pelo artigo 15 da Lei nº 10.192/2001”.

[3] “2. Embora no controle abstrato de constitucionalidade a causa de pedir seja aberta, o pedido da inicial deve ser certo e determinado. Impossibilidade de o julgador ampliar o objeto da demanda de ofício” (STF, Pleno, ADPF 347 TPI-Ref/DF, Red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, DJe 01.07.2020).

[4] O Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes teses em recurso extraordinário com repercussão geral: “I – O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; II – O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina” (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 20.11.2017).

Recontratação de empregado

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

Discute-se a respeito da possibilidade de recontratação de empregado que teve o contrato de trabalho extinto, em especial durante a atual situação de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.

No plano administrativo, a Portaria 384, de 19 de junho de 1992, do Ministério do Trabalho, versa sobre simulação de rescisão contratual e de levantamento do FGTS em fraude à lei.

A inspeção do trabalho deve dar tratamento prioritário, entre os atributos de rotina, à constatação de casos simulados de rescisão do contrato de trabalho sem justa causa seguida de recontratação do mesmo trabalhador ou de sua permanência na empresa sem a formalização do vínculo, presumindo, em tais casos, conduta fraudulenta do empregador para fins de aplicação dos §§ 2º e 3º do art. 23 da Lei 8.036/1990, ou seja, de multa administrativa por trabalhador prejudicado (art. 1º da Portaria 384/1992).

Considera-se fraudulenta a rescisão seguida de recontratação ou de permanência do trabalhador em serviço quando ocorrida dentro dos 90 dias subsequentes à data em que formalmente a rescisão se operou (art. 2º da Portaria 384/1992). Em caso de aviso prévio indenizado (art. 487, § 1º, da CLT), embora a questão possa gerar controvérsia, defende-se que o prazo de 90 dias deve ser contado do término do contrato de trabalho em si, isto é, sem considerar a projeção do aviso prévio indenizado, a qual não posterga a cessação do pacto laboral.

Trata-se de previsão passível de questionamento, notadamente em face do princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da Constituição da República), por não se tratar de norma com natureza de lei (art. 37 da Constituição Federal de 1988), além do que a fraude não se presume, devendo ser demonstrada (art. 9º da CLT)[1].

Constatada a prática da rescisão fraudulenta, o agente da inspeção do trabalho deve levantar todos os casos de rescisão ocorridos nos últimos 24 meses para verificar se a hipótese pode ser penalizada em conformidade com o art. 1º da Portaria 384/1992 (art. 3º da Portaria 384/1992). Esse levantamento deve envolver também a possibilidade de ocorrência de fraude ao seguro-desemprego, hipótese em que será concomitantemente aplicada a sanção prevista no art. 25 da Lei 7.998/1990, ou seja, multa administrativa.

A matéria deveria ser objeto de lei (art. 22, inciso I, da Constituição da República) e não de Portaria. De todo modo, a hipótese seria de presunção relativa e não absoluta.

Mais recentemente, a Portaria 16.655, de 14 de julho de 2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, disciplina hipótese de recontratação nos casos de rescisão sem justa causa, durante o estado de calamidade pública de que trata o Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020.

A nova Portaria foi publicada levando em consideração o disposto no art. 2º da Portaria 384/1992 e a necessidade de afastar a presunção de fraude na recontratação de empregado em período inferior a 90 dias subsequentes à data da rescisão contratual, durante a ocorrência do estado de calamidade pública de que trata o Decreto Legislativo 6/2020.

Sendo assim, durante o referido estado de calamidade pública, não se presumirá fraudulenta a rescisão de contrato de trabalho sem justa causa seguida de recontratação dentro dos 90 dias subsequentes à data em que formalmente a rescisão se operou, desde que mantidos os mesmos termos do contrato rescindido (art. 1º da Portaria 16.655/2020).

A mencionada recontratação poderá se dar em termos diversos do contrato rescindido quando houver previsão nesse sentido em instrumento decorrente de negociação coletiva (art. 1º, parágrafo único, da Portaria 16.655/2020).

A rigor, essa exigência de previsão em norma decorrente de negociação coletiva incide quando na recontratação forem pactuadas condições de trabalho inferiores, ou seja, menos favoráveis do que aquelas previstas no contrato anterior. Evidentemente, com fundamento na melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput, da Constituição da República), admite-se que a recontratação seja feita em condições superiores, isto é, mais favoráveis ao empregado.

A Portaria 16.655/2020 entra em vigor na data de sua publicação (ocorrida no Diário Oficial da União de 14.07.2020), retroagindo seus efeitos à data de 20 de março de 2020 (art. 2º).

A Portaria em questão tem natureza de norma administrativa, com aplicação principalmente no âmbito da fiscalização trabalhista. Como já exposto, o tema deveria ser objeto de lei, pois compete privativamente à União legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, inciso I, da Constituição da República), embora a lei complementar possa autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas a respeito da matéria (art. 22, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988).

Na jurisprudência, prevalece o entendimento de que a fraude à continuidade do vínculo de emprego, decorrente da extinção do contrato de trabalho e recontratação do empregado, em regra, deve ser demonstrada no caso concreto[2], por exemplo, com o intuito de burlar, de forma injustificada, o princípio da irredutibilidade salarial (art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988)[3].

Em se tratando de contrato de trabalho por tempo determinado, considera-se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato por prazo determinado, salvo se a expiração deste dependeu da execução de serviços especializados ou da realização de certos acontecimentos (art. 452 da CLT)[4].

Na hipótese de contrato de trabalho por prazo indeterminado, a lei não proíbe a recontratação do empregado, nem estabelece prazo a ser observado entre o vínculo de emprego anterior e a nova contratação. Eventuais fraudes, assim, devem ser analisadas conforme as circunstâncias de cada caso (art. 9º da CLT).

O art. 453 da CLT dispõe sobre a contagem do tempo de serviço quando o empregado é readmitido, sem impor lapso temporal entre as contratações. Como explicita a Súmula 138 do TST: “Em caso de readmissão, conta-se a favor do empregado o período de serviço anterior, encerrado com a saída espontânea”.

Conclui-se que a Portaria 16.655/2020, mesmo em termos formais, prossegue na linha equivocada da Portaria 384/1992, ao disciplinar matéria de Direito do Trabalho, o que deveria ser feito por meio de lei, em respeito ao princípio da legalidade, inerente ao Estado Democrático de Direito.

[1] “A jurisprudência desta Corte, após o cancelamento da Súmula nº 20, não admite presunção de fraude em caso de extinção do contrato com readmissão imediata ou em curto prazo, atribuindo ao empregado o ônus de provar efetivamente a existência de irregularidades” (TST, 8ª T., AIRR-1002338-61.2016.5.02.0462, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 13.09.2019).

[2] “3 – Ante o princípio de que a boa-fé se presume e a má-fé exige prova, foi cancelada a Súmula nº 20 do TST, segundo a qual deveria ser presumida a fraude na hipótese de demissão seguida de nova contratação. A jurisprudência desta Corte Superior evoluiu no sentido de que a fraude deve ser provada e o pagamento dos créditos trabalhistas na rescisão do primeiro contrato é suficiente para demonstrar a regularidade da contratação posterior, à parte o curto espaço de tempo entre uma contratação e outra” (TST, 6ª T., RR-20134-48.2014.5.04.0381, Rel. Min. Katia Magalhaes Arruda, DEJT 01.12.2017).

[3] “A egrégia Corte Regional consignou que a dispensa do autor e a recontratação, sem qualquer plausibilidade, associada à redução salarial, demonstrava a existência de fraude às leis trabalhistas, perpetrada pela empregadora em prejuízo do empregado, sendo nula a rescisão do primeiro contrato, reconhecia-se a unicidade contratual por todo o período por ele laborado” (TST, 5ª T., AIRR-106400-54.2010.5.17.0013, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 23.10.2015).

[4] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 206.

Acordo individual de trabalho em face de outros instrumentos normativos: preponderância e norma mais favorável

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

A Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, dispõe sobre as medidas trabalhistas que podem ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6/2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 03 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei 13.979/2020.

O art. 2º da Medida Provisória 927/2020 estabelece que durante o mencionado estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Essa preponderância do acordo individual de trabalho, firmado entre empregado e empregador, em face das leis e das normas coletivas, entretanto, é questionável, uma vez que, a rigor, a negociação individual não pode afastar as previsões de ordem pública estabelecidas em leis imperativas (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988), bem como em convenções coletivas e acordos coletivos (art. 7º, inciso XXVI, da Constituição da República), e mesmo em sentenças normativas (art. 114, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal de 1988)[1].

A Medida Provisória 927/2020, ao instituir a preferência do acordo individual entre e empregado e empregador em face das leis e da negociação coletiva de trabalho, está em desacordo com o próprio caput do art. 444 da CLT, no sentido de que as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos (ou seja, acordos coletivos e convenções coletivas) que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes[2].

A referida previsão da Medida Provisória 927/2020 também não se harmoniza com o art. 4º da Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho, de 1949, promulgada pelo Decreto 33.196/1953 (atualmente Decreto 10.088/2019), no sentido de que devem ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e condições de emprego.

De todo modo, ao se exigir que sejam observados os limites constitucionais, é imperioso ressaltar que o princípio da norma mais favorável, o qual decorre do princípio da proteção, inerente ao Direito do Trabalho[3], tem como fundamento o art. 7º, caput, da Constituição da República[4].

Apesar do exposto, o Supremo Tribunal Federal negou referendo ao indeferimento da medida cautelar tão somente em relação aos arts. 29 e 31 da Medida Provisória 927/2020, tendo suspendido a eficácia apenas desses dispositivos (STF, Pleno, MC-ADI 6.342/DF, MC-ADI 6.344/DF, MC-ADI 6.346/DF, MC-ADI 6.348/DF, MC-ADI 6.349/DF, MC-ADI 6.352/DF, MC-ADI 6.354/DF, Rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, j. 29.04.2020). Sendo assim, quanto aos demais dispositivos da Medida Provisória 927/2020 que foram questionados nas ações diretas de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal referendou o indeferimento da medida liminar pleiteada, com o que manteve a sua eficácia.

Especificamente a respeito do art. 2º da Medida Provisória 927/2020, a decisão monocrática proferida em liminar de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade, que nesse ponto foi referendada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, tem o seguinte teor: “O preceito sobrepõe o acordo individual a possíveis instrumentos normativos e remete aos limites revelados na Constituição Federal. A liberdade do prestador dos serviços, especialmente em época de crise, quando a fonte do próprio sustento sofre risco, há de ser preservada, desde que não implique, como consta na cláusula final do artigo, a colocação em segundo plano de garantia constitucional. É certo que o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, pedagogicamente, versa o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, quando então se tem, relativamente a convenções, ajuste formalizado por sindicato profissional e econômico e, no tocante a acordo coletivo, participação de sindicato profissional e empresa. O preceito não coloca em segundo plano a vontade do trabalhador. Sugere, isso sim, que o instrumento coletivo há de respeitar, há de ser formalizado em sentido harmônico com os respectivos interesses. Descabe, no que ficou prevista a preponderância do acordo individual escrito, voltado à preservação do liame empregatício – repita-se – ante instrumentos normativos legais e negociais, assentar, no campo da generalidade, a pecha de inconstitucionalidade” (STF, MC-ADI 6.342/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.03.2020, DJe 30.03.2020).

Na realidade, a assimetria dos sujeitos da relação de emprego inviabiliza que a vontade do trabalhador seja sempre manifestada de forma hígida, livre e válida em face do empregador, titular do poder de direção, tornando o acordo individual, mesmo escrito, incompatível com a maior vulnerabilidade do empregado, que se acentua em situações de crise, e a subordinação inerente ao contrato de trabalho.

Caberia ao Congresso Nacional, quando da deliberação sobre a Medida Provisória 927/2020, ajustar a previsão em destaque, tornando-a compatível com a ordem constitucional.

[1] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 524: “Na relação entre lei e contrato individual de trabalho este só pode afastar a lei quando mais favorável ao trabalhador e desde que da lei não resulte a impossibilidade de afastamento, ou seja, desde que as leis não sejam imperativas absolutas; na relação entre instrumentos coletivos e contrato individual de trabalho as convenções coletivas são afastadas pelo contrato individual de trabalho, somente quando o contrato dispuser de modo mais favorável ao trabalhador e desde que as cláusulas da convenção coletiva não tenham natureza imperativa”.

[2] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 521: “Entre um convênio coletivo, expressão aqui tomada em sentido genérico para abranger todos os tipos de instrumentos gerados pela negociação coletiva, e um contrato individual de trabalho, prevalece o que for mais benéfico para o trabalhador, não podendo este reduzir vantagens estabelecidas por aquele”.

[3] Cf. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: parte geral. 4. ed. São Paulo: LTr, 1991. v. 1. p. 59: “o Direito do Trabalho pode ser definido como o conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais”.

[4] Cf. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 233: “a partir de 1988, o princípio da norma mais favorável adquiriu até mesmo respaldo constitucional, por meio do caput do art. 7º da Constituição da República”.

Respeito à Constituição em situações de crise: redução de salário na recente decisão do STF

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

A Constituição, como norma fundamental, não deve vigorar e ter efetividade apenas em épocas de bonança e normalidade, mas também, e especialmente, em períodos de crise, dificuldade e excepcionalidade.

Apesar da terrível pandemia decorrente do coronavírus, que assola a humanidade, com graves impactos na saúde, na economia e na sociedade, as normas constitucionais não podem ser deixadas em quarentena, nem lançadas em segregação compulsória.

A Constituição não é mero documento simbólico de intenções, não está morta e não pode ser descumprida, mesmo mediante argumentações que resultem na defesa de que os fins, ainda que louváveis, justificariam os meios, se estes não são aceitos pelo sistema constitucional. Eventuais alegações sobre a realidade fática não servem de justificativa para a violação do dever ser estabelecido pela ordem jurídica constitucional[1], sob pena de se caminhar para a instauração de regime de exceção.

No Estado Democrático de Direito, o devido processo legal substancial impõe às atividades legislativa, administrativa e jurisdicional que o comando constitucional, ao excepcionar certa determinação, seja respeitado, independentemente de quem o aplica e de sua percepção subjetiva a respeito da matéria.

É o que ocorre quanto ao direito fundamental de irredutibilidade de salário, que, segundo regra constitucional expressa, apenas pode ser ressalvado, justamente em situações excepcionais, como a atual, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988)[2]. Não há outros preceitos jurídicos em colisão na disciplina dessa questão específica, os quais não se confundem com opiniões pessoais a respeito do que seria melhor para enfrentar os períodos de crise.

O meio constitucionalmente legítimo para a redução de salário, ainda que acompanhada de redução de jornada de trabalho (art. 7º, inciso XIII, da Constituição da República), em qualquer circunstância, é a negociação coletiva[3], na qual, em regra, é obrigatória a participação dos sindicatos (art. 8º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988)[4].

Desse modo, ainda que o fim almejado seja a manutenção de empregos em situações de pandemia e de força maior, evitando-se dispensas individuais e coletivas de trabalhadores, a redução salarial deve respeitar o devido procedimento constitucionalmente estabelecido, que é a negociação coletiva de trabalho, e não o acordo individual[5].

Apesar do exposto, o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido da validade da previsão da Medida Provisória 936/2020 que autoriza, em certas hipóteses, para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordo individual, independentemente de negociação coletiva e da anuência dos sindicatos. Por maioria de votos, não foi referendada a medida cautelar deferida, anteriormente, em sentido diverso (STF, Pleno, ADI 6.363/DF, Rel. p/ ac. Alexandre de Moraes, j. 17.04.2020).

Em verdade, não há legitimidade democrática (art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República) de se modificar, por meio da jurisdição, o comando direto e expresso da norma constitucional, impondo interpretação que diverge de sua clara determinação.

Diante do cenário de solene afronta à Constituição, em várias esferas, tanto legislativa, como doutrinária e jurisdicional, por meio da edição de medida provisória, produção de textos doutrinários que a defendem e mesmo do exercício da jurisdição pela Corte Suprema, que na verdade teria o papel de sua guarda (art. 102 da Constituição da República), nada mais coerente do que figurar na posição minoritária e vencida, mas em companhia da própria norma constitucional.

A pandemia passará, mas a recente violação ao preceito constitucional em destaque certamente ficará marcada nas páginas de nossa história, como exemplo de jurisdição constitucional que se opõe à norma fundamental. Caberia ao Congresso Nacional, quando da deliberação sobre a Medida Provisória 936/2020, restabelecer a ordem constitucional.

[1] Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 24: “A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social”.

[2] Cf. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 6. ed. Curitiba: Juruá, 1997. p. 331: “O princípio da irredutibilidade do salário, atualmente, tem foros constitucionais. A Carta de 1988, em seu art. 7º, inciso VI, adota esse princípio, mas, em sua parte final, faz uma abertura – que nos parece excessivamente ampla – no sentido de permitir que, mediante negociação coletiva (acordo ou convenção), possam os interessados estabelecer critérios de diminuição dos salários em vigor na empresa”.

[3] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Salário: conceito e proteção. São Paulo: LTr, 2008. p. 106: “O princípio da irredutibilidade salarial tem, como exceção, a negociação coletiva, procedimento através do qual o sindicato dos trabalhadores, de um lado, e o patronal ou a empresa, de outro lado, desenvolvem entendimentos tendo em vista estabelecer valores salariais menores”.

[4] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Salário: conceito e proteção. São Paulo: LTr, 2008. p. 106: “Duas são as razões pelas quais a ressalva foi permitida. Primeira, a natural existência de situações de força maior nas quais, diante de imperativos econômicos ou financeiros, empresas são obrigadas a reduzir o salário para evitar dispensa em massa dos trabalhadores. Segunda, a garantia de que, dependendo da concordância do sindicato dos trabalhadores, a redução só se fará nas hipóteses de absoluta necessidade, servindo a exigência do acordo sindical como mecanismo de controle diante de situações fraudulentas. O sindicato age como fiscal da conveniência da medida”.

[5] Cf. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito individual do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1992. v. 2. p. 303: “A regra, hoje, de maior realce, sobre o assunto, é a do art. 7º, VI, da Constituição, em que se fala da irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. A regra da irredutibilidade implica a ineficácia de alterações determinadas unilateralmente pelo empregador e também das pactuadas entre este e o empregado individualmente considerado”.

Redução de salário e respeito à ordem jurídica no Estado Democrático de Direito

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.

Os conflitos são inerentes à vida em sociedade, na qual se desenvolvem as relações de trabalho. A sua permanência de forma indefinida, entretanto, revela-se prejudicial ao bem comum e ao desenvolvimento harmônico das relações interpessoais. Justamente por isso, cabe ao Direito disciplinar a pacificação dos conflitos sociais, inclusive trabalhistas, tornando necessária a solução adequada das controvérsias que surgem[1].

A concepção da ausência de conflitos, além de utópica perante a sociedade pluralista (art. 1º, inciso V, da Constituição Federal de 1988), caracterizada pela divergência de ideias e de interesses, pode remontar a concepções estatizantes e autoritárias, como do corporativismo, que impõe e submete toda a sociedade e suas atividades ao forte controle estatal, impedindo, de forma artificial, a eclosão de conflitos que possam desestabilizar a economia e os superiores interesses nacionais. Nessa linha de pensamento, a própria greve, como materialização do conflito nas relações coletivas de trabalho, é considerada delito e recurso antissocial.

Mesmo na gravíssima situação de pandemia atualmente vivenciada, com o reconhecimento do estado de calamidade pública, ainda que haja certos consensos entre os atores sociais envolvidos, como a prioridade dos direitos à vida e à saúde, para a preservação do bem comum, o conflito e a divergência, inclusive nas relações de trabalho, permanecem em diversos aspectos da dinâmica social.

Embora possam existir certas variações, em situações de grave crise, as empresas normalmente buscam a sobrevivência no mercado e, para isso, contam com redução de custos, possibilidade de redução salarial, suspensão dos contratos de trabalho, entre outras medidas, como maior flexibilidade no cumprimento da legislação, a serem autorizadas de forma célere, pois os prejuízos econômicos decorrentes de medidas como quarentena são crescentes e nefastos. Por outro lado, os trabalhadores normalmente têm interesse na preservação de seus empregos, sem perdas remuneratórias, para que possam garantir o sustento pessoal e familiar, cabendo ao empregador, por ser o titular dos meios de produção, correr os riscos de sua atividade, e ao governo, na direção do país, assegurar a estabilidade da economia, de modo a preservar as empresas e os postos de trabalho.

As previsões normativas que surgem para amenizar, nas relações de trabalho, os impactos terríveis e ruinosos da crise econômica advinda da pandemia, por outro lado, devem ser interpretadas em consonância com o ordenamento constitucional. A aplicação da norma jurídica segundo o sistema e o seu comando não significa visão estreita, legalismo insensível, ou suposto positivismo retrógrado, mas sim compromisso com o Estado de Direito, atualmente compreendido como Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição da República), que exige o respeito ao ordenamento jurídico em vigor, a ser interpretado, segundo os seus fins sociais, à luz da Constituição.

Embora as modalidades normativas abranjam regras e princípios, quando a norma constitucional determina algo, de forma direta e cogente, não cabe ao intérprete, por discordar do seu preceito, valer-se de técnicas como ponderação ou sopesamento, para conseguir alcançar o resultado almejado, supostamente mais justo, mas distinto daquele determinado pelo sistema constitucional. A máxima da proporcionalidade, a rigor, incide quando o direito fundamental, previsto em norma jurídica com natureza de princípio, ao ser objeto de disciplina legislativa, sofre restrições, podendo colidir com outros direitos fundamentais. Em casos assim, cabe analisar se a restrição estabelecida é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, para ser considerada constitucional[2].

No ordenamento jurídico em vigor, a redução de salário, ainda que acompanhada de redução de jornada, é medida drástica e excepcional, a ser utilizada apenas em situações graves, inesperadas, ou imprevisíveis, inevitáveis, de força maior, como é o caso justamente da atual pandemia.

Independentemente de opinião pessoal, ou daquilo que o intérprete entenda, subjetivamente e com boas intenções, ser o mais adequado, no Estado Democrático de Direito, é imperiosa a observância da previsão constitucional que dispõe a respeito da questão.

Em matéria de redução salarial, mesmo que acompanhada de redução de jornada de trabalho (art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988), a determinação constitucional é expressa no sentido da “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” (art. 7º, inciso VI, da Constituição da República). A previsão normativa, inserida no sistema constitucional, pode nem sempre satisfazer todas as opiniões, interesses e anseios, pode desagradar alguns, mas deve ser observada, sob pena de se caminhar para a instauração de regime de exceção, rompendo-se com a ordem jurídica constitucional.

A ressalva estabelecida pela Constituição quanto à irredutibilidade de salário, em si, tem evidente natureza normativa de regra jurídica, não podendo ser ampliada ou contornada pelo intérprete por meio de argumentos comoventes ou técnicas que tenham como objetivo alcançar certo resultado pretendido, que se defenda como o mais justo e razoável, mas que é distinto do comando constitucional[3].

[1] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1352: “A realidade mostra-nos a sociedade constituída de grupos com interesses divergentes e a ciência jurídica como a teoria da decisão dos conflitos sociais, como uma intervenção contínua do direito na convivência humana, vista como um sistema de conflitos intermitentes, como ressalta Tercio Sampaio Ferraz Jr.”.

[2] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 116-117: “Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é dedutível dessa natureza”.

[3] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1209: “Nosso modelo de atendimento aos imperativos de uma crise econômica passa pelo princípio da irredutibilidade salarial, salvo acordo ou convenção coletiva, mecanismo que é uma saída para os casos de extrema gravidade, já usado em nosso país”.

Direitos metaindividuais não são heterogêneos

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

Os direitos metaindividuais, ou coletivos em sentido amplo, podem ser entendidos como o gênero, do qual fazem parte os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos, conforme previsão na Lei 8.078/1990, art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei 7.347/1985, arts. 1º, inciso IV, e 21 (Lei da Ação Civil Pública)[1].

Os mencionados direitos transindividuais são aptos a serem tutelados, assim, por meio de ação civil pública ou ação coletiva.

Os direitos difusos são conceituados como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato” (art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/1990).

No direito difuso, quanto ao aspecto subjetivo, seus titulares são pessoas indeterminadas; quanto ao aspecto objetivo, o objeto do direito (bem jurídico) é indivisível[2]. Nessa modalidade de direitos coletivos, um mesmo fato dá origem ao direito difuso, com as referidas características.

A indivisibilidade do bem jurídico é facilmente constatada, pois basta uma única ofensa para que todos os titulares do direito sejam atingidos. Do mesmo modo, a satisfação do direito beneficia a todos os titulares indeterminados ao mesmo tempo.

No âmbito trabalhista, pode-se exemplificar com a hipótese de pretensão no sentido de que o ente público realize concurso público para a admissão de servidores e empregados públicos, o que envolve interesse de toda a sociedade.

Os direitos coletivos (em sentido estrito), por sua vez, são definidos como “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inciso II, da Lei 8.078/1990).

O objeto dos referidos direitos é indivisível (aspecto objetivo)[3], tendo como titular um agrupamento de pessoas, as quais são determináveis (aspecto subjetivo), pois serão todas aquelas que constituem o grupo. Por isso se verifica a “relação jurídica base”, que liga todas as pessoas inseridas no grupo, categoria ou classe[4].

No campo trabalhista, cabe mencionar a hipótese em que certa empresa utiliza substância insalubre em seu ambiente de trabalho, o que causa prejuízo à saúde do grupo de empregados que ali presta serviços.

Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são os “decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.078/1990).

Deve-se esclarecer que os mencionados direitos são, em sua essência, individuais[5]. Por consequência, possuem titulares determinados e objeto divisível. A particularidade está em que muitas pessoas são detentoras, cada uma delas, de direitos individuais substancialmente iguais (podendo cada titular ter determinadas particularidades não exatamente equivalentes perante os demais). Ainda assim, na essência, os direitos são os mesmos, daí serem “homogêneos”, justificando a possibilidade de serem reunidos para a tutela por meio da mesma ação coletiva, ganhando, assim, configuração metaindividual, pois envolvem grupos de pessoas numa mesma situação.

Essa homogeneidade de direitos decorre da “origem comum”. Como se sabe, a origem dos direitos subjetivos são os fatos[6]. Assim, direitos homogêneos são aqueles direitos subjetivos que decorrem dos mesmos fatos.

Efetivamente, há diversas situações em que, a partir de um mesmo fato lesivo, várias são as pessoas atingidas de maneira uniforme, homogênea. Por isso, essas pessoas passam a ser titulares, simultaneamente, de direitos subjetivos substancialmente iguais, homogêneos. Tendo em vista essa particularidade, o sistema processual prevê a aplicabilidade dos instrumentos pertinentes à tutela jurisdicional metaindividual, com o objetivo de defendê-los de maneira mais célere e eficiente.

Ainda na esfera trabalhista, pode-se exemplificar com situação em que a existência de substância insalubre no local de trabalho gera aos empregados da empresa a pretensão de recebimento do adicional de insalubridade.

Portanto, a mesma situação de fato pode dar origem a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme a causa de pedir e o pedido que são apresentados na demanda.

Apesar do acima exposto, deve-se frisar que, quando o caso envolve questões nitidamente individuais, que dependem do exame de cada uma das hipóteses concretas, com ausência de possíveis questões comuns, ou mesmo quando as questões particulares prevalecem sobre as comuns, na realidade, não se observa a presença de direito individual homogêneo.

Nesse enfoque, segundo esclarece Sergio Pinto Martins: “No reconhecimento de vínculo de emprego em ação civil pública não há interesse ou direitos individuais homogêneos, pois as circunstâncias de fato podem não ser as mesmas: cada caso é um caso. […] Não se pode declarar na ação civil pública que todos os trabalhadores são empregados ou que devam ser anotadas as Carteiras de Trabalho de todos trabalhadores, pois os interesses ou direitos são individuais em relação a cada trabalhador, mas não são homogêneos. Há necessidade de prova individual para cada trabalhador envolvido. Os trabalhadores não são individualizados na ação civil pública nem o Ministério Público do Trabalho sabe quem são eles individualmente. Pode não existir a mesma situação de fato para cada trabalhador. […] Nos casos em que se discute vínculo de emprego, o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para propor ação civil pública contra as empresas […], pois a questão é individual e não coletiva”[7].

Na jurisprudência, cabe destacar o seguinte julgado:

“Substituição processual. Declaração de relação de emprego. Direito individual sem dimensão coletiva. Inadequação do procedimento do Código de Defesa do Consumidor. Necessidade de identificação dos substituídos. A declaração da existência do vínculo de emprego pressupõe a investigação da situação pessoal de cada um dos substituídos, já que para a efetividade do provimento é imprescindível averiguar o concurso dos requisitos do artigo 3º da Consolidação. A situação não envolve direito individual homogêneo, que, além da origem comum, pressupõe a prevalência das questões comuns sobre as questões individuais de cada substituído. A hipótese é de direito individual puro ou heterogêneo, que não tem dimensão coletiva porque as questões individuais prevalecem sobre as questões comuns. Ao contrário do que ocorre com o direito individual homogêneo, em que a predominância das questões comuns conduz a situação de uniformidade que permite a emissão de provimento genérico e torna desnecessária a identificação dos substituídos até o momento de liquidação da sentença, a efetividade da declaração da existência de vínculo de emprego exige a prévia identificação dos substituídos, já que a eliminação da crise de certeza a que se destina o provimento declaratório depende da cognição de questões individuais de cada um dos trabalhadores. Sem a identificação dos substituídos, o pedido é indeterminado e, de consequência, sua apreciação conduziria a provimento desprovido de qualquer utilidade. Apelo da entidade sindical ao qual se nega provimento para o fim de confirmar a extinção do processo sem resolução do mérito inadequação da via processual” (TRT/SP – 2ª Reg., 6ª T., RO, Processo nº 00114-2007-081-02-00-8, Acórdão nº 20080351217, Rel. Des. Salvador Franco de Lima Laurino, DOE/SP 02.05.2008).

Como se pode notar, a prevalência de questões individuais afasta a possibilidade da tutela dos mencionados direitos de forma metaindividual, inclusive por ser inviável, bem como inadequado e incorreto, o tratamento de direito exclusivamente individual, ou nitidamente heterogêneo, de modo coletivo[8].

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1026-1029.

[2] Cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 26.

[3] Cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 54.

[4] Cf. WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 803. “Essa relação jurídica-base é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão”.

[5] Cf. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 60: “Eles são verdadeiros interesses individuais, mas circunstancialmente tratados de forma coletiva” (destaques do original).

[6] Cf. LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 8. t. 1. p. 16: “No direito material, a causa donde brota o direito subjetivo, e, portanto, a relação jurídica, é o fato ou o ato jurídico material: o contrato, o ato ilícito, o nascimento, a morte, o testamento etc.”.

[7] MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 609.

[8] Cf. VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses individuais homogêneos e seus aspectos polêmicos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 21-22 (fazendo referência a GRINOVER, Ada Pellegrini. Da “class action for damages” à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, n. 20): “Com efeito, sem que se conclua pela prevalência do coletivo sobre o individual, a tutela coletiva de interesses individuais de origem comum não se viabiliza. Torna-se ineficaz. Apresenta-se – acrescentaria – como um sistema processual indevido. Efetivamente, prevalecendo aspectos individuais sobre o coletivo, diante, v.g., do reduzidíssimo número de envolvidos e da especial consequência suportada por cada um, a tutela individual, feita segundo as regras individualistas do Código de Processo Civil, mostrar-se-ia mais eficaz, proporcionando com a dedução de pedidos certos, aptos à satisfação da situação fática reclamada por cada um dos interessados, tutela jurisdicional mais adequada, mais rápida e mesmo mais econômica. […] Numa palavra, aspectos coletivos devem sobressair em relação a situações individuais para que a tutela coletiva de interesses individuais se justifique”.

Cumulação de adicionais de periculosidade e de insalubridade na recente jurisprudência do TST

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

Discute-se a respeito da possibilidade de o empregado receber os adicionais de insalubridade e de periculosidade de forma cumulada, no âmbito do mesmo contrato de trabalho.

Nos termos do art. 193, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, incluído pela Lei 6.514/1977, ao dispor sobre o adicional de periculosidade, o empregado pode optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe for devido. No mesmo sentido é a previsão da Norma Regulamentadora 16, sobre atividades e operações perigosas (16.2.1).

A posição majoritária e tradicional, com fundamento nessa previsão literal, é de que o empregado não tem direito ao recebimento de ambos os adicionais ao mesmo tempo, ainda que exposto a agente insalubre e atividade perigosa.

Mais recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho, em incidente de recurso repetitivo, fixou tese jurídica, com natureza de precedente vinculante (arts. 896-C da CLT, 927, inciso III, do CPC e 3º, inciso XXIII, da Instrução Normativa 39/2015 do TST), nos seguintes termos: “O art. 193, § 2º, da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos” (TST, SBDI-I, IRR – 239-55.2011.5.02.0319, Redator Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, j. 26.09.2019).

A questão, entretanto, merece reflexão, pois se o empregado está exposto tanto a agente insalubre, como perigoso, nada mais justo e coerente do que receber ambos os adicionais, notadamente se os fatos geradores são distintos e autônomos.

Nesse sentido, o art. 7º, inciso XXIII, da Constituição da República assegura, além de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei, sem estabelecer qualquer restrição quanto ao pagamento.

A opção por um dos adicionais desestimula que a insalubridade e a periculosidade sejam eliminadas ou neutralizadas, em desacordo com o art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988, ao prever o direito de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança[1].

Frise-se que os mencionados adicionais são direitos trabalhistas, de natureza social, assegurados na esfera constitucional, integrando o catálogo de direitos fundamentais.

O art. 5º, § 2º, da Constituição da República dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Nesse contexto, a Convenção 148 da Organização Internacional do Trabalho, sobre proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho, de 1977, promulgada pelo Decreto 93.413/1986, determina que os critérios e os limites de exposição devem ser fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, tendo em conta, na medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho (art. 8.3).

A Convenção 155 da OIT, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, de 1981, promulgada pelo Decreto 1.254/1994, por sua vez, prevê que devem ser levados em consideração os riscos para a saúde, decorrentes da exposição simultâneas a diversas substâncias ou agentes (art. 11, alínea b).

Como se pode notar, as normas internacionais em questão, dispondo de forma mais benéfica e coerente, admitem o recebimento, simultâneo, dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando o empregado está exposto a ambos os agentes (Cf. TST, 7ª T., RR – 1072-72.2011.5.02.0384, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 03.10.2014).

Frise-se que o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, firmados pelo Brasil antes da vigência da Emenda Constitucional 45/2014, possuem status normativo supralegal, admitindo a sua hierarquia constitucional quando aprovados pelo Congresso Nacional com os requisitos previstos no atual art. 5º, § 3º, da Constituição da República (Recursos Extraordinários 349.703 e 466.343).

Na verdade, o texto de lei (no caso, o art. 193, § 2º da CLT) deve ser devidamente interpretado para que a norma jurídica resultante possa ser corretamente aplicada.

Afinal, há razoabilidade e proporcionalidade em trabalhar exposto a agentes insalubres e perigosos, autônomos e distintos, mas ter direito apenas a um dos adicionais?

Ao se laborar exposto à insalubridade e à periculosidade, decorrentes de fatos geradores autônomos e distintos, mas receber apenas um dos adicionais, deixa de ser considerado o mandamento elementar de “dar a cada um o que é seu”.

Caso houvesse texto de lei dispondo que o empregado ao prorrogar a jornada de trabalho e laborar em horário noturno devesse optar pelo adicional de horas extras, ou pelo adicional noturno, seria assim aplicado?

Há limites impostos pelo sistema jurídico (o qual é integrado não apenas por regras, mas também por princípios, normas constitucionais e internacionais) ao legislador.

A interpretação meramente literal, portanto, é manifestamente insuficiente para se alcançar o verdadeiro sentido e alcance da norma jurídica.

Cabe, assim, acompanhar a evolução da jurisprudência sobre essa relevante questão, em especial no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 1033-1036.

Declaração de direitos de liberdade econômica e valorização do trabalho humano

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal de 1988 (art. 1º da Lei 13.874/2019).

Entretanto, deve-se ressaltar que a livre iniciativa não é o único fundamento do Estado Democrático de Direito, merecendo destaque a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

Nesse sentido, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político (art. 1º da Constituição da República).

Mesmo a ordem econômica não é fundada apenas na livre iniciativa.

Na verdade, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (art. 170 da Constituição Federal de 1988).

É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único, da Constituição da República).

Nesse contexto, são princípios que norteiam o disposto na Lei 13.874/2019: I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; II – a boa-fé do particular perante o poder público; III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado (art. 2º da Lei 13.874/2019). Cabe ao regulamento dispor sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado deve exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174 da Constituição Federal de 1988).

O disposto na Lei 13.874/2019 deve ser observado na aplicação e na interpretação do Direito Civil, Empresarial, Econômico, Urbanístico e do Trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente (art. 1º, § 1º, da Lei 13.874/2019).

Na realidade, os mandamentos constitucionais, notadamente os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, é que devem nortear a aplicação e a interpretação do Direito, inclusive do Direito Civil, Empresarial, Econômico, Urbanístico e do Trabalho.

Portanto, em consonância com o art. 3º da Constituição Federal de 1988, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas (art. 1º, § 2º, da Lei 13.874/2019).

Ainda assim, cabe salientar que no Estado Democrático de Direito os contratos e a propriedade devem atender a sua função social (arts. 5º, inciso XXIII, 170, inciso III, 182, § 2º, e 186 da Constituição da República), respeitando as normas de ordem pública.

A liberdade contratual deve ser exercida nos limites da função social do contrato (art. 421 do Código Civil, com redação dada pela Lei 13.874/2019).

Frise-se que um dos direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essencial para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observando-se o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal de 1988, é o de desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeita a cobranças ou encargos adicionais, observadas, entre outras, as normas de proteção ao meio ambiente e a legislação trabalhista (art. 3º, inciso II, alíneas a e c, da Lei 13.874/2019).

Saliente-se, por fim, que os preceitos relativos à ordem econômica devem estar em harmonia com a ordem social, a qual tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da Constituição da República).

Em conclusão, tendo sido instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, espera-se que também o seja a Declaração de Direitos de Valorização do Trabalho Humano, em consonância com os fundamentos constitucionais da ordem econômica, a qual tem como fim, no Estado Democrático de Direito, assegurar a existência digna, segundo os ditames da justiça social, bem como os da ordem social, alicerçada na primazia do trabalho.

Honorários advocatícios assistenciais no processo do trabalho: novidades decorrentes da Lei 13.725/2018

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A Lei 13.725, de 4 de outubro de 2018, publicada no Diário Oficial da União de 05.10.2018, alterou a Lei 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, e revogou dispositivo da Lei 5.584/1970, que dispõe sobre normas de Direito Processual do Trabalho.

Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária deve ser prestada pelo sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador (art. 14 da Lei 5.584/1970). Isso não exclui, evidentemente, o dever do Estado de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, em consonância com o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição da República[1].

Frise-se que essa assistência judiciária deve ser prestada ao trabalhador ainda que não seja associado do respectivo sindicato (art. 18 da Lei 5.584/1970).

Nesse contexto, em consonância com o art. 8º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria (e não apenas dos associados), inclusive em questões judiciais ou administrativas[2].

O art. 16 da Lei 5.584/1970 previa que os honorários do advogado pagos pelo vencido deveriam reverter em favor do sindicato assistente. Esse dispositivo, entretanto, foi revogado pela Lei 13.725/2018 (art. 3º).

Na verdade, os honorários advocatícios devidos quando o sindicato da categoria profissional presta a assistência judiciária, com fundamento na Lei 5.584/1970, têm natureza de honorários de sucumbência, sendo devidos, portanto, ao advogado que atuou na causa, conforme art. 791-A da CLT e art. 23 da Lei 8.906/1994.

Isso é confirmado pelo art. 791-A, § 1º, da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017, no sentido de que os honorários advocatícios de sucumbência são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria[3].

Desse modo, incide o art. 22 da Lei 8.906/1994, ao estabelecer que a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB (isto é, aos advogados) o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

O disposto no art. 22 da Lei 8.906/1994 aplica-se aos honorários assistenciais, compreendidos como os fixados em ações coletivas propostas por entidades de classe em substituição processual, sem prejuízo aos honorários convencionais (art. 22, § 6º, da Lei 8.906/1994, incluído pela Lei 13.725/2018).

Os honorários convencionados com entidades de classe para atuação em substituição processual podem prever a faculdade de indicar os beneficiários que, ao optarem por adquirir os direitos, assumirão as obrigações decorrentes do contrato originário a partir do momento em que este foi celebrado, sem a necessidade de mais formalidades (art. 22, § 7º, da Lei 8.906/1994, acrescentado pela Lei 13.725/2018).

Os beneficiários dos honorários advocatícios convencionados, nesse caso, são os advogados que prestarem serviço profissional nas ações coletivas ajuizadas por entidades de classe (como os sindicatos) em substituição processual (art. 8º, inciso III, da Constituição da República).

Cabe salientar que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor (art. 23 da Lei 8.906/1994).

A respeito do tema, segundo a Súmula Vinculante 14 do STF: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.

No mesmo sentido, o art. 85, § 14, do CPC estabelece que os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Nota-se, portanto, que a Lei 13.725/2018 teve como objetivo adequar a disciplina dos honorários advocatícios, notadamente os assistenciais, no processo do trabalho, em consonância com o Código de Processo Civil de 2015 e a Lei 13.467/2017, sobre a reforma trabalhista.

[1] Cf. art. 14 da Lei Complementar 80/1994: “A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União”.

[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1314.

[3] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de processo do trabalho. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 402.

Terceirização na administração pública: alterações decorrentes do Decreto 9.507/2018

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A terceirização, entendida como prestação de serviços a terceiros, é a transferência da execução de atividades do ente tomador (contratante) a empresas prestadoras de serviços (art. 4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

Em se tratando da administração pública, devem ser observadas certas disposições específicas a respeito, como a exigência de licitação na contratação de serviços, ressalvados os casos especificados na legislação (art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988).

Além disso, a terceirização não pode acarretar o descumprimento da exigência constitucional de aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público (art. 37, inciso II, da Constituição da República)[1].

De acordo com o Decreto-lei 200/1967, para melhor se desincumbir das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração pública deve procurar se desobrigar da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução (art. 10, § 7º).

De forma mais recente, o Decreto 9.507, de 21 de setembro de 2018, dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União (art. 1º). O Decreto 9.507/2018 entra em vigor 120 dias após a data de sua publicação (art. 18), ocorrida em 24.09.2018.

Ato do Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão deve estabelecer os serviços que serão preferencialmente objeto de execução indireta mediante contratação (art. 2º do Decreto 9.507/2018).

Conforme o art. 3º do Decreto 9.507/2018, não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços: que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios podem ser executados de forma indireta, sendo vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado. Entretanto, os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e consentimento relacionados ao exercício do poder de polícia não serão objeto de execução indireta.

Nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista controladas pela União, não serão objeto de execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários, exceto se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses: caráter temporário do serviço; incremento temporário do volume de serviços; atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere (art. 4º do Decreto 9.507/2018). Trata-se de exceção que, por fazer menção a preceitos genéricos, pode dar margem a questionamentos.

Os empregados da contratada com atribuições semelhantes ou não com as atribuições da contratante devem atuar somente no desenvolvimento dos serviços contratados. Não se aplica a vedação do art. 4º do Decreto 9.507/2018 quando se tratar de cargo extinto ou em processo de extinção.

O Conselho de Administração ou órgão equivalente das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União deve estabelecer o conjunto de atividades que são passíveis de execução indireta, mediante contratação de serviços.

Embora o Decreto 9.507/2018 estabeleça certa disciplina delimitadora quanto à execução indireta de serviços da administração pública federal, observa-se nítida ampliação quanto à admissão da terceirização nesse âmbito, notadamente quando se compara com as previsões do Decreto 2.271/1997[2], o qual é revogado (art. 17 do Decreto 9.507/2018). A interpretação conforme a Constituição da República, assim, impõe que se observe a exigência de aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público (art. 37, inciso II).

É vedada a contratação, por órgão ou entidade da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União (art. 1º do Decreto 9.507/2018), de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção que tenham relação de parentesco com: detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou pela contratação; ou autoridade hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade (art. 5º do Decreto 9.507/2018). Trata-se de proibição que tem como fundamento os princípios da impessoalidade e da moralidade na administração pública (art. 37, caput, da Constituição da República).

Para a execução indireta de serviços, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, as contratações devem ser precedidas de planejamento e o objeto será definido de forma precisa no instrumento convocatório, no projeto básico ou no termo de referência e no contrato como exclusivamente de prestação de serviços (art. 6.º do Decreto 9.507/2018).

Merece destaque a previsão do art. 7º do Decreto 9.507/2018, no sentido de ser vedada a inclusão de disposições nos instrumentos convocatórios que permitam: a indexação de preços por índices gerais, nas hipóteses de alocação de mão de obra; a caracterização do objeto como fornecimento de mão de obra; a previsão de reembolso de salários pela contratante; a pessoalidade e a subordinação direta dos empregados da contratada aos gestores da contratante.

Os arts. 8º e 9º do Decreto 9.507/2018 dispõem sobre disposições contratuais obrigatórias, os arts. 10 e 11 tratam da gestão e fiscalização da execução dos contratos, e os arts. 12 e 13 versam sobre repactuação e reajuste.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista controladas pela União devem adotar os mesmos parâmetros das sociedades privadas naquilo que não contrariar seu regime jurídico e o disposto no Decreto 9.507/2018 (art. 14).

Nesse sentido, cabe à lei estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição da República).

A Lei 13.303/2016 dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.

Ainda quanto ao tema, cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 02.05.2017).

No mencionado julgado, sobre terceirização no âmbito da administração pública, o STF já havia indicado a possibilidade de terceirização mais ampla, entendendo-se como superada a distinção entre atividade-fim e atividade-meio[3].

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceirização: trabalho temporário, cooperativas de trabalho. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 67-69.

[2] “Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal”.

[3] “Recurso extraordinário representativo de controvérsia com repercussão geral. Direito Constitucional. Direito do Trabalho. Terceirização no âmbito da administração pública. Súmula 331, IV e V, do TST. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Terceirização como mecanismo essencial para a preservação de postos de trabalho e atendimento das demandas dos cidadãos. Histórico científico. Literatura: economia e administração. Inexistência de precarização do trabalho humano. Respeito às escolhas legítimas do legislador. Precedente: ADC 16. Efeitos vinculantes. Recurso parcialmente conhecido e provido. Fixação de tese para aplicação em casos semelhantes. 1. A dicotomia entre ‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’ é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as ‘Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades que previamente consideravam como centrais’ (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007). 2. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas, incorporada à Administração Pública por imperativo de eficiência (art. 37, caput, CRFB), para fazer frente às exigências dos consumidores e cidadãos em geral, justamente porque a perda de eficiência representa ameaça à sobrevivência da empresa e ao emprego dos trabalhadores. 3. Histórico científico: Ronald H. Coase, ‘The Nature of The Firm’, Economica (new series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial é o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma, apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante terceiros no mercado, estes denominados ‘custos de transação’, método segundo o qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício. 4. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como modelo organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando a função de ‘arquiteto vertical’ ou ‘organizador da cadeia de valor’. 5. A terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas pelo aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii) redução da complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v) precificação mais precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à competição de fornecedores externos; (vii) maior facilidade de adaptação a necessidades de modificações estruturais; (viii) eliminação de problemas de possíveis excessos de produção; (ix) maior eficiência pelo fim de subsídios cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes; (xi) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos; (xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiii) não comprometimento de recursos que poderiam ser utilizados em setores estratégicos; (xiv) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação a diferentes requerimentos de administração, know-how e estrutura, para setores e atividades distintas. 6. A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº 9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes: ‘O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93’” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 12.09.2017).

Aposentadoria por invalidez e acréscimo de 25%: extensão a outras modalidades de aposentadorias

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A aposentadoria por invalidez é benefício previdenciário garantido na esfera constitucional, com natureza de direito fundamental, integrando, assim, o sistema da Seguridade Social, em sua modalidade contributiva.

Nesse sentido, de acordo com o art. 201, inciso I, da Constituição da República, o Regime Geral de Previdência Social deve atender, nos termos da lei, a cobertura do evento de invalidez.

De forma mais específica, a aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O referido benefício é devido enquanto o segurado permanecer nessa condição (art. 42 da Lei 8.213/1991)[1].

A contingência coberta, portanto, é a incapacidade total e permanente.

A concessão da aposentadoria por invalidez exige, em regra, o período de carência de 12 contribuições mensais (art. 25, inciso I, da Lei 8.213/1991). Entretanto, independe de carência a aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado (art. 26, inciso II, da Lei 8.213/1991).

A concessão da aposentadoria por invalidez depende da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.

A aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% do salário de benefício (art. 44 da Lei 8.213/1991). Quando o acidentado do trabalho estiver em gozo de auxílio-doença, o valor da aposentadoria por invalidez deve ser igual ao do auxílio-doença se este, por força de reajustamento, for superior ao acima previsto.

O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa deve ser acrescido de 25% (art. 45 da Lei 8.213/1991).

A lei não exige que essa assistência seja prestada por alguém da família ou por pessoa remunerada com essa finalidade, nem faz restrições quanto a esse aspecto, não cabendo ao intérprete fazê-lo.

O Anexo I do Regulamento da Previdência Social apresenta a relação das situações em que o aposentado por invalidez tem direito ao referido acréscimo de 25%. Entende-se, entretanto, que se trata de rol exemplificativo[2].

O acréscimo em questão: é devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal; deve ser recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado; cessa com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor da pensão.

Cabe registrar o entendimento de parte da jurisprudência no sentido de que o mencionado acréscimo de 25% também pode ser estendido às aposentadorias por idade e por tempo de contribuição de segurado que necessite da assistência permanente de outra pessoa, ou seja, quando presentes os mencionados requisitos do art. 45 da Lei 8.213/1991 (Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU, Processo 5011904-42.2013.404.7205, rel. Juiz Federal Marcos Antônio Garapa de Carvalho, DOU 04.03.2016). No sentido da impossibilidade dessa extensão, cabe fazer menção ao seguinte julgado do STJ: 5ª T., REsp 1.243.183/RS (2011/0053937-1), rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 28.03.2016.

Ainda quanto ao tema, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese em recurso repetitivo: “Comprovadas a invalidez e a necessidade de assistência permanente de terceiro, é devido o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento), previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91, a todos os aposentados pelo RGPS, independentemente da modalidade de aposentadoria” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.648.305/RS (2017/0009005-5), REsp 1.720.805RJ (2018/0020632-2), rel. p/ ac. Min. Regina Helena Costa, j. 22.08.2018).

Sendo assim, prevaleceu no STJ o entendimento de que o mencionado acréscimo teria natureza assistencial, o que seria confirmado por cessar o seu pagamento com a morte do aposentado, devendo ser aplicado também às demais espécies de aposentadorias, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, como forma de garantia dos direitos sociais[3].

Observa-se, entretanto, não haver previsão legal expressa a respeito desse acréscimo em aposentadorias que não sejam por invalidez (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988), sabendo-se que nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social pode ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, § 5º, da Constituição da República).

Esclareça-se que a aposentadoria é benefício de natureza nitidamente previdenciária (art. 201, inciso I, da Constituição da República), e não assistencial, o mesmo ocorrendo quanto ao mencionado acréscimo de 25% (art. 45 da Lei 8.213/1991), que não diz respeito à Assistência Social.

Cabe, assim, acompanhar os possíveis desdobramentos a respeito dessa relevante questão, notadamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito da seguridade social. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 418-426.

[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito previdenciário. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 322-323.

[3] “Previdenciário e processual civil. Recurso especial repetitivo. Código de Processo Civil de 2015. Aplicabilidade. Aposentadoria por invalidez. ‘Auxílio-acompanhante’. Adicional de 25% (vinte e cinco por cento) previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91. Necessidade de assistência permanente de terceiro. Comprovação. Extensão a outras espécies de aposentadoria. Possibilidade. Princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Garantia dos direitos sociais. Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência (Nova Iorque, 2007). Interpretação jurisprudencial de acordo com princípios constitucionais. Fato gerador. Benefício de caráter assistencial, personalíssimo e intransferível. Desnecessidade de prévia fonte de custeio. Tese firmada sob o rito dos recursos especiais repetitivos. Art. 1.036 e seguintes do CPC/2015. Recurso especial do INSS improvido. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II – Cinge-se a controvérsia à possibilidade de extensão do ‘auxílio-acompanhante’, previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91 aos segurados aposentados por invalidez, às demais espécies de aposentadoria do Regime Geral da Previdência Social – RGPS. III – O ‘auxílio-acompanhante’ consiste no pagamento do adicional de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor do benefício ao segurado aposentado por invalidez, que necessite de assistência permanente de terceiro para a realização de suas atividades e cuidados habituais, no intuito de diminuir o risco social consubstanciado no indispensável amparo ao segurado, podendo, inclusive, sobrepujar o teto de pagamento dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. IV – Tal benefício possui caráter assistencial porquanto: a) o fato gerador é a necessidade de assistência permanente de outra pessoa a qual pode estar presente no momento do requerimento administrativo da aposentadoria por invalidez ou ser-lhe superveniente; b) sua concessão pode ter ou não relação com a moléstia que deu causa à concessão do benefício originário; e c) o pagamento do adicional cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporado ao valor da pensão por morte, circunstância própria dos benefícios assistenciais que, pela ausência de contribuição, são personalíssimos e, portanto, intransferíveis aos dependentes. V – A pretensão em análise encontra respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como na garantia dos direitos sociais, contemplados, respectivamente, nos arts. 1º, III, 5º, caput, e 6º, da Constituição da República. VI – O Estado brasileiro é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de Nova Iorque, de 2007, admitida com status de emenda constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição da República. Promulgada pelo Decreto n. 6.949/09, a Convenção, em seu art. 1º, ostenta o propósito de ‘(…) promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente’, garantindo, ainda, em seus arts. 5º e 28, tratamento isonômico e proteção da pessoa com deficiência, inclusive na seara previdenciária. VII – A 1ª Seção desta Corte, em mais de uma oportunidade, prestigiou os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia com vista a iluminar e desvendar a adequada interpretação de dispositivos legais (REsp n. 1.355.052/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 05.11.2015 e do REsp n. 1.411.258/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.02.2018, ambos submetidos ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973). VIII – A aplicação do benefício às demais modalidades de aposentadoria independe da prévia indicação da fonte de custeio porquanto o ‘auxílio-acompanhante’ não consta no rol do art. 18 da Lei n. 8.213/91, o qual elenca os benefícios e serviços devidos aos segurados do Regime Geral de Previdência Social e seus dependentes. IX – Diante de tal quadro, impõe-se a extensão do ‘auxílio- acompanhante’ a todos os aposentados que, inválidos, comprovem a necessidade de ajuda permanente de outra pessoa, independentemente do fato gerador da aposentadoria. X – Tese jurídica firmada: ‘Comprovadas a invalidez e a necessidade de assistência permanente de terceiro, é devido o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento), previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91, a todos os aposentados pelo RGPS, independentemente da modalidade de aposentadoria’. XI – Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do RISTJ). XII – Recurso Especial do INSS improvido” (STJ, 1ª Seção, RESp 1.720.805/RJ (2018/0020632-2), rel. p/ ac. Min. Regina Helena Costa, DJe 26.09.2018).

Terceirização ilimitada: desarticulação social e enfraquecimento da atuação coletiva dos trabalhadores

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

O tema da terceirização sempre desperta intensos debates, notadamente quanto aos seus limites e efeitos.

Anteriormente, prevalecia o entendimento de que a terceirização, em regra, apenas era admitida em atividades-meio, isto é, de mero apoio ou suporte, mas não nas atividades-fim da empresa tomadora, não se permitindo a terceirização das atividades que integrassem o núcleo dos objetivos sociais do ente contratante (Súmula 331, item III, do TST).

Não obstante, com a reforma trabalhista, a terceirização, como prestação de serviços a terceiros, passou a ser considerada como a transferência feita pela contratante (tomadora) da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

Com isso, no plano legislativo, prevaleceu ampliação dos limites da terceirização, podendo abranger quaisquer das atividades da contratante (tomadora), inclusive a sua atividade principal, superando-se a distinção entre atividades-fim e atividades-meio[1].

A questão, apesar disso, ainda poderia dar margem a controvérsias, notadamente quanto à necessidade de se interpretar a referida previsão legal em consonância com a ordem jurídica constitucional, não se podendo excluir, ademais, a possibilidade de futuras modificações legislativas a respeito do tema.

Entretanto, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (STF, Pleno, RE 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 30.08.2018).

Logo, também no âmbito jurisprudencial, e considerando o sistema constitucional, prevaleceu o entendimento de que a terceirização é admitida de forma ampla, independentemente de se tratar de atividades-meio ou atividades-fim do ente contratante, tendo em vista, fundamentalmente, o princípio da livre iniciativa.

Confirmando o exposto, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se questionou a constitucionalidade da interpretação adotada em reiteradas decisões da Justiça do Trabalho que restringiam a terceirização com base na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (STF, Pleno, ADPF 324/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.08.2018). O Relator prestou esclarecimentos no sentido de que a decisão desse julgamento não afeta os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada.

A par dessa análise em termos mais técnicos e jurídicos sobre a matéria, deve-se reconhecer que a posição firmada no plano legislativo e da jurisdição constitucional pode não se revelar a mais adequada em termos de coesão do grupo de trabalhadores, de fortalecimento da atuação coletiva, de progresso social e da proteção aos direitos trabalhistas.

Com a terceirização ampla e a consequente pulverização das atividades empresariais a diversas empresas prestadoras de serviços, a tendência é a fragmentação social dos trabalhadores, gerando o enfraquecimento do movimento sindical.

Nesse enfoque, cabe lembrar que a empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços (art. 4º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017). Logo, admite-se até mesmo chamada terceirização em cadeia, em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras empresas para a realização dos serviços contratados pela empresa tomadora.

Para fins sindicais, é importante ressaltar que o empregador do empregado terceirizado é a empresa prestadora de serviço, sendo esta a sua atividade econômica. Logo, seguindo-se o entendimento mais tradicional, o empregado da empresa prestadora de serviço, a rigor, não integraria a categoria profissional da empresa contratante (tomadora), mas sim a categoria dos empregados de empresas de prestação de serviços.

Nessa linha, em regra, não se aplicariam os direitos decorrentes das normas coletivas dos empregados da empresa tomadora aos empregados das prestadoras dos serviços, acarretando possível tratamento não isonômico entre trabalhadores terceirizados e contratados diretamente pela tomadora, ainda que inseridos no mesmo setor e contexto de atividade.

Fatores dessa ordem podem gerar a desarticulação social, a perda da consciência de classe, o enfraquecimento das relações coletivas, a pulverização do movimento sindical, a redução do nível remuneratório dos empregados terceirizados e a precarização das condições de trabalho.

Por fim, saliente-se que na terceirização a empresa contratante (tomadora) é apenas subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços (Súmula 331, itens IV e VI, do TST), não havendo previsão de responsabilidade solidária, a qual seria evidentemente mais benéfica aos empregados terceirizados, sabendo-se que o recolhimento das contribuições previdenciárias é que deve observar a sistemática de retenção disciplinada no art. 31 da Lei 8.212/1991 (art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017).

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 395.

Terceirização na Reforma Trabalhista e impactos da recente jurisprudência do STF

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

A terceirização pode ser entendida como a transferência da execução de atividades da empresa tomadora (contratante) a empresas prestadoras de serviços.

Trata-se de tema que sempre desperta debates e controvérsias, propondo-se, no presente texto, a sua análise em termos estritamente técnicos e jurídicos.

Adotando-se o atual critério legal, a terceirização, como prestação de serviços a terceiros, é a transferência feita pela contratante (tomadora) da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017).

A terceirização, como se pode notar, envolve uma relação trilateral entre o empregado, a empresa prestadora de serviço (empregador) e a empresa tomadora (contratante dos serviços).

Entre a empresa tomadora (contratante) e a prestadora de serviço é firmado um contrato de natureza civil ou empresarial (contrato de prestação de serviços). Diversamente, entre a empresa prestadora de serviço e o empregado é firmado o contrato de trabalho.

O vínculo de emprego, assim, existe entre o empregado e a empresa prestadora de serviço, mas aquele presta o serviço à empresa tomadora (contratante)[1].

Segundo o atual critério legal, admite-se a terceirização de forma ampla, ou seja, de quaisquer das atividades da contratante (tomadora), inclusive de sua atividade principal.

Logo, com a reforma trabalhista, já estava superada a distinção entre atividades-fim e atividades-meio, anteriormente adotada pela jurisprudência, como se observava na Súmula 331, item III, do TST, a qual não mais prevalece.

Nessa linha, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (STF, Pleno, RE 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 30.08.2018).

O Supremo Tribunal Federal também julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se questionou a constitucionalidade da interpretação adotada em reiteradas decisões da Justiça do Trabalho que restringiam a terceirização com base na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. O Relator prestou esclarecimentos no sentido de que a decisão desse julgamento não afeta os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada (STF, Pleno, ADPF 324/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 30.08.2018).

Ainda assim, salvo no caso de trabalho temporário, entende-se que a intermediação de mão de obra não deve ser admitida, por resultar em fraude ao vínculo de emprego com o efetivo empregador (art. 9º da CLT) e em violação ao valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República), o qual não pode ser tratado como mercadoria (Declaração de Filadélfia, da Organização Internacional do Trabalho, item I, a).

Desse modo, a terceirização deve envolver a prestação de serviços e não o fornecimento de trabalhadores por meio de empresa interposta.

Isso é confirmado pelo art. 5º-B da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017, no sentido de que o contrato de prestação de serviços deve conter: qualificação das partes; especificação do serviço a ser prestado; prazo para realização do serviço, quando for o caso; valor.

Além disso, a empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços (art. 4º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017).

A parte final desse dispositivo expressamente permite a chamada terceirização em cadeia, em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras empresas para a realização dos serviços contratados pela empresa tomadora. A rigor, essa hipótese pode se distinguir da quarteirização, na qual certa empresa é contratada para administrar e gerir os diversos contratos de prestação de serviços mantidos pela empresa contratante.

O empregador do empregado terceirizado é a empresa prestadora de serviços. Logo, esta contrata, remunera e dirige o trabalho realizado pelos seus empregados, ou seja, exerce o poder de direção (arts. 2º e 3º da CLT). Vale dizer, a subordinação jurídica do empregado terceirizado existe em face da empresa prestadora de serviços (e não do tomador ou contratante).

A empresa contratante (tomadora) é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços (como já se previa na Súmula 331, itens IV e VI, do TST), e o recolhimento das contribuições previdenciárias deve observar o disposto no art. 31 da Lei 8.212/1991 (art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429/2017).

Ainda quanto ao tema, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, DJe 02.05.2017).

Por fim, cabe o registro de que no referido julgado, sobre terceirização no âmbito da administração pública, o Supremo Tribunal Federal já havia antecipado que a distinção entre atividade-fim e atividade-meio está superada, como se observa no item 1 da respectiva ementa[2].

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceirização: trabalho temporário, cooperativas de trabalho. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 13-14.

[2] “Recurso extraordinário representativo de controvérsia com repercussão geral. Direito Constitucional. Direito do Trabalho. Terceirização no âmbito da administração pública. Súmula 331, IV e V, do TST. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Terceirização como mecanismo essencial para a preservação de postos de trabalho e atendimento das demandas dos cidadãos. Histórico científico. Literatura: economia e administração. Inexistência de precarização do trabalho humano. Respeito às escolhas legítimas do legislador. Precedente: ADC 16. Efeitos vinculantes. Recurso parcialmente conhecido e provido. Fixação de tese para aplicação em casos semelhantes. 1. A dicotomia entre ‘atividade-fim’ e ‘atividade-meio’ é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as ‘Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades que previamente consideravam como centrais’ (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007). 2. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas, incorporada à Administração Pública por imperativo de eficiência (art. 37, caput, CRFB), para fazer frente às exigências dos consumidores e cidadãos em geral, justamente porque a perda de eficiência representa ameaça à sobrevivência da empresa e ao emprego dos trabalhadores. 3. Histórico científico: Ronald H. Coase, ‘The Nature of The Firm’, Economica (new series), Vol. 4, Issue 16, p. 386-405, 1937. O objetivo de uma organização empresarial é o de reproduzir a distribuição de fatores sob competição atomística dentro da firma, apenas fazendo sentido a produção de um bem ou serviço internamente em sua estrutura quando os custos disso não ultrapassarem os custos de obtenção perante terceiros no mercado, estes denominados ‘custos de transação’, método segundo o qual firma e sociedade desfrutam de maior produção e menor desperdício. 4. A Teoria da Administração qualifica a terceirização (outsourcing) como modelo organizacional de desintegração vertical, destinado ao alcance de ganhos de performance por meio da transferência para outros do fornecimento de bens e serviços anteriormente providos pela própria firma, a fim de que esta se concentre somente naquelas atividades em que pode gerar o maior valor, adotando a função de ‘arquiteto vertical’ ou ‘organizador da cadeia de valor’. 5. A terceirização apresenta os seguintes benefícios: (i) aprimoramento de tarefas pelo aprendizado especializado; (ii) economias de escala e de escopo; (iii) redução da complexidade organizacional; (iv) redução de problemas de cálculo e atribuição, facilitando a provisão de incentivos mais fortes a empregados; (v) precificação mais precisa de custos e maior transparência; (vi) estímulo à competição de fornecedores externos; (vii) maior facilidade de adaptação a necessidades de modificações estruturais; (viii) eliminação de problemas de possíveis excessos de produção; (ix) maior eficiência pelo fim de subsídios cruzados entre departamentos com desempenhos diferentes; (x) redução dos custos iniciais de entrada no mercado, facilitando o surgimento de novos concorrentes; (xi) superação de eventuais limitações de acesso a tecnologias ou matérias-primas; (xii) menor alavancagem operacional, diminuindo a exposição da companhia a riscos e oscilações de balanço, pela redução de seus custos fixos; (xiii) maior flexibilidade para adaptação ao mercado; (xiii) não comprometimento de recursos que poderiam ser utilizados em setores estratégicos; (xiv) diminuição da possibilidade de falhas de um setor se comunicarem a outros; e (xv) melhor adaptação a diferentes requerimentos de administração, know-how e estrutura, para setores e atividades distintas. 6. A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº 9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes: ‘O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93’” (STF, Pleno, RE 760.931/DF, Red. p/ ac. Min. Luiz Fux, DJe 12.09.2017).

Constitucionalidade da contribuição sindical facultativa

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

O apego ao passado é algo que impressiona particularmente no Direito Coletivo do Trabalho brasileiro.

A Lei 13.467/2017, sobre a reforma trabalhista, tornou a contribuição sindical prevista em lei opcional, ou seja, facultativa, passando a ser devida apenas pelos empregados, trabalhadores e empregadores que assim autorizarem prévia e expressamente[1].

Discute-se, entretanto, se essa modificação seria válida, ou seja, constitucional.

As contribuições (receitas) sindicais em sentido amplo abrangem a contribuição sindical prevista em lei, a contribuição confederativa, a contribuição assistencial e a mensalidade sindical.

A contribuição sindical prevista em lei foi reconhecida e recepcionada pela Constituição Federal de 1988, como se observa em seu art. 8º, inciso IV, parte final.

A referida contribuição sindical, anteriormente conhecida como “imposto sindical”, é disciplinada nos arts. 578 e seguintes da CLT.

Quando obrigatória, a sua natureza jurídica era tributária, conforme o art. 149, caput, da Constituição da República, por se tratar de contribuição de interesse das categorias profissionais e econômicas, como confirmava o art. 217, inciso I, do Código Tributário Nacional.

Essa contribuição sindical prevista em lei, quando era compulsória, acarretava evidente restrição à liberdade sindical, sendo incompatível com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, uma vez que era devida independentemente de manifestação de vontade ou concordância do trabalhador ou empregador, bem como de filiação ao ente sindical.

O art. 7º da Lei 11.648/2008 dispõe que os arts. 578 a 610 da CLT vigorarão até que a lei venha a disciplinar a contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembleia geral da categoria. Essa contribuição negocial, entretanto, ainda não foi instituída.

Com a Lei 13.467/2017, a contribuição sindical prevista em lei deixou de ter natureza tributária, por não ser mais uma prestação compulsória (art. 3º do Código Tributário Nacional), passando a ter natureza preponderantemente privada, embora de certa forma atípica ou sui generis.

Esclareça-se que um tributo, ainda que anteriormente arrolado e previsto no sistema constitucional e infraconstitucional, pode, de forma válida, deixar de existir no ordenamento jurídico, em razão de modificação legislativa, como ocorreu no caso, em que houve a alteração da própria natureza do instituto.

De todo modo, não se pode dizer que se trata de prestação exclusivamente privada, uma vez que parte dos valores da contribuição sindical prevista em lei, mesmo facultativa, ainda é direcionada ao poder público, ou seja, destinada à “Conta Especial Emprego e Salário” (art. 589 da CLT), administrada pelo Ministério do Trabalho, pois os seus valores integram os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador[2].

De acordo com o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, incluído pela Emenda Constitucional 95/2016, a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Entretanto, a modificação da natureza jurídica da contribuição sindical, ao deixar de ser compulsória, em consonância com o princípio da liberdade sindical, não significa, em termos técnicos, renúncia de receita propriamente.

Conforme o art. 14, § 1º, da Lei Complementar 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, a renúncia de receitacompreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede (art. 180 do Código Tributário Nacional). A remissão extingue o crédito tributário (art. 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional), sabendo-se que a lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo às situações previstas no art. 172 do Código Tributário Nacional. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração (art. 176 do Código Tributário Nacional).

Na hipótese em estudo, não se observa nenhuma dessas figuras, mas apenas, como mencionado, a evolução do sistema jurídico, por meio de mudança legislativa, gerando a modificação da natureza da contribuição sindical, que deixou de ser obrigatória e, assim, perdeu o caráter público, tendo em vista que as entidades sindicais, no Estado Democrático de Direito, são entes de Direito Privado, não podendo ser mantidas com recursos fiscais.

Não se trata, portanto, de isenção, muito menos de “concessão de isenção em caráter não geral”, que dizem respeito a tributos, uma vez que a contribuição sindical simplesmente deixou de ter natureza tributária.

Ainda que assim não fosse, por qualquer ângulo, a exigência formal mencionada poderia ser considerada suprida pela lei orçamentária anual, pois, segundo o art. 165, § 6º, da Constituição da República, o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Nesse sentido, a Lei 13.587/2018 estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2018.

O art. 146, inciso III, a, da Constituição da República determina que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição Federal de 1988, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

Essa previsão, entretanto, não incide no caso em estudo, pois a contribuição sindical é disciplinada pela Consolidação das Leis do Trabalho, que tem hierarquia de lei ordinária (em harmonia com o art. 8º, inciso IV, parte final, da Constituição da República), podendo ser modificada pela Lei 13.467/2017, mais especificamente quanto à sua natureza jurídica, ao deixar de ser obrigatória.

Não se trata mais, assim, de tributo, afastando por completo qualquer exigência de lei complementar sobre normas gerais em matéria tributária e definição de tributos.

É certo que no sistema sindical brasileiro ainda permanecem outras restrições à liberdade sindical, quais sejam: unicidade sindical, base territorial mínima do sindicato de um município e adoção do critério de categoria (art. 8º, inciso II, da Constituição Federal de 1988).

Não obstante, a alteração dessas previsões exige emenda constitucional, enquanto a obrigatoriedade da contribuição sindical, diversamente, por ter natureza infraconstitucional, pode ser realizada por meio de modificação legislativa, ou seja, na CLT, como ocorreu no caso da Lei 13.467/2017.

Logo, como é evidente, não se pode condicionar a eliminação da obrigatoriedade da contribuição sindical à modificação desses outros aspectos relativos ao sistema sindical brasileiro.

A contribuição sindical obrigatória, com natureza de tributo, em verdade, contraria não apenas o princípio da liberdade sindical, mas a própria essência do Estado Democrático de Direito, ao estabelecer o custeio das entidades sindicais, que têm natureza privada, bem como das atividades sindicais, realizadas no plano da sociedade civil, por meio de receitas de natureza pública, o que somente é admitido em regimes não democráticos, autoritários e corporativistas, em que os sindicatos são controlados e dependentes do poder público, exercendo funções por ele delegadas.

Não há como se argumentar, ainda, que a exclusão da obrigatoriedade quanto à contribuição sindical ocorreu sem o prévio e amplo debate.

Em verdade, trata-se de questão antiga, constantemente debatida nos planos social, econômico, jurídico e político, sabendo-se que essa anomalia do sistema sindical brasileiro já deveria ter sido corrigida há muito tempo (na linha do ocorrido em diversos países que se redemocratizaram), como ressaltado constantemente pela doutrina do Direito Coletivo do Trabalho à luz da liberdade sindical.

Não há qualquer exigência constitucional de se estabelecer um regime de transição para a exclusão da obrigatoriedade da contribuição sindical, mesmo porque as entidades sindicais, na realidade, já deveriam ter se preparado para esse cenário bem antes. A Lei 13.467/2017, de todo modo, sendo de julho de 2017, só entrou em vigor depois de 120 dias de sua publicação oficial.

Note-se, ademais, que a contribuição sindical, em si, não foi extinta, nem se deixou as organizações sindicais sem qualquer possibilidade de obter recursos financeiros para as suas atividades, pois apenas foi excluído o seu caráter compulsório, pelas razões indicadas, sinalizando às entidades sindicais a necessidade de atuação com efetiva legitimidade para viabilizar a permanência no sistema, devendo demonstrar representatividade apta a elevar o quadro de associados e de pessoas que queiram ou autorizem a contribuição. Além disso, há outras modalidades de contribuições sindicais que não foram objeto de alteração.

Espera-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal respeite a modificação legislativa em questão, aprovada pelo Congresso Nacional, e não restabeleça, por meio de decisão judicial, a herança autoritária, antidemocrática e corporativista da ultrapassada obrigatoriedade da contribuição sindical em nosso sistema.

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 241-245.

[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1306.

Correção monetária nas condenações impostos à fazenda pública: divergência entre tribunais superiores

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União, e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, proferiu relevantes decisões em recursos especiais repetitivos sobre a validade da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, conforme previstos no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.

Nesse sentido, foram firmadas as seguintes teses jurídicas:

“1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza.

1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária.

No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário.

1.2 Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão.

A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório.

  1. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária.
  2. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.

3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.

As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos.

As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.

3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas.

No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.

A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

  1. Preservação da coisa julgada.

Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser aferida no caso concreto” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.495.146/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.02.2018, DJe 02.03.2018. REsp 1.492.221/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.02.2018, DJe 20.03.2018. REsp 1.495.144/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.02.2018, DJe 20.03.2018).

Apesar do mérito de se procurar sistematizar o complexo tema, cabe registrar ao menos duas observações a respeito das teses jurídicas fixadas pelo STJ, mais especificamente quanto ao item 3 acima indicado.

Tendo em vista a competência absoluta da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar os conflitos decorrentes das relações de trabalho que digam respeito a empregados públicos (art. 114, inciso I, da Constituição da República), os quais não se confundem com os servidores públicos estatutários e de regime administrativo (pois estes são excluídos da competência da Justiça do Trabalho, conforme decidido pelo STF na ADI 3.395/DF), revela-se inusitada a menção pelo STJ, no subitem 3.1.1 anteriormente transcrito, a condenações judiciais referentes a “empregados públicos”.

É certo que o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, em arguição de inconstitucionalidade, também decidiu que os créditos trabalhistas devem ser atualizados com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Decidiu-se, assim, ser inconstitucional a expressão “equivalentes à TRD”, prevista no art. 39, caput, da Lei 8.177/1991, dando interpretação conforme a Constituição Federal para o restante do dispositivo, com o objetivo de assegurar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas (TST, ArgInc 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, j. 04.08.2015).

Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho acolheu parcialmente embargos de declaração para, atribuindo efeito modificativo ao mencionado julgado, no que toca aos efeitos produzidos pela decisão que acolheu a inconstitucionalidade, fixá-los a partir de 25 de março de 2015, coincidindo com a data estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (TST, Pleno, ED-ArgInc – 479-60.2011.5.04.0231, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 30.06.2017).

Em sentido divergente, a tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça dispõe que as condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos sujeitam-se, quanto à correção monetária, à incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001, bem como de agosto/2001 a junho/2009 e mesmo a partir de julho/2009 (item 3.1.1).

A segunda observação diz respeito às condenações judiciais quanto a créditos de natureza previdenciária.

No caso de condenação da Fazenda Pública, o Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes teses de repercussão geral em recurso extraordinário:

“1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e

2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina” (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20.09.2017).

No referido julgado, tendo como parte o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Supremo Tribunal Federal deu parcial provimento ao recurso extraordinário para assentar a natureza assistencial da relação jurídica examinada (caráter não-tributário) e manter a concessão de benefício de prestação continuada (Lei nº 8.742/93, art. 20) ao recorrido atualizado monetariamente segundo o IPCA-E desde a data fixada na sentença e fixados os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09 (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20.09.2017).

Como se pode notar, o Pleno Supremo Tribunal Federal decidiu que, em se tratando de condenação da Fazenda Pública quanto a direitos sem natureza tributária (como é o caso também dos créditos de natureza previdenciária), a atualização monetária deve seguir o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E), inclusive no período da dívida anterior à expedição do precatório (ou da requisição de pequeno valor), bem como para a atualização monetária do precatório ou da requisição de pequeno valor (ou seja, após sua expedição).

Entretanto, em sentido divergente, a tese jurídica fixada pelo Superior Tribunal de Justiça dispõe que as condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91 (item 3.2, anteriormente transcrito).

O Superior Tribunal de Justiça procurou justificar a posição adotada ao assim asseverar:

“Cumpre registrar que a adoção do INPC não configura afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se trata de benefício de natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza previdenciária” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.492.221/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.02.2018, trecho do voto).

Não obstante, conforme ficou explícito no mencionado julgado do Supremo Tribunal Federal:

“A fim de evitar qualquer lacuna sobre o tema e com o propósito de guardar coerência e uniformidade com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a questão de ordem nas ADIs nº 4.357 e 4.425, entendo que devam ser idênticos os critérios para a correção monetária de precatórios e de condenações judiciais da Fazenda Pública. Naquela oportunidade, a Corte assentou que, após 25.03.2015, todos os créditos inscritos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Nesse exato sentido, voto pela aplicação do aludido índice a todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, qualquer que seja o ente federativo de que se cuide” (STF, Pleno, RE 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20.09.2017, trecho do voto).

Em verdade, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) não se confunde com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E).

O INPC é previsto no art. 41-A da Lei 8.213/1991, acrescentado pela Lei 11.430/2006, para o fim específico de reajuste anual do valor dos benefícios previdenciários em manutenção, mas não quanto à condenação judicial, hipótese em que, na linha do decido pelo STF, deveria ser aplicado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E).

Tanto é assim que, nos termos do art. 31 da Lei 13.408/2016, a atualização monetária dos precatórios, determinada no art. 100, § 12, da Constituição Federal de 1988, bem como das requisições de pequeno valor expedidas no ano de 2017, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, deve observar, no exercício de 2017, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da data do cálculo exequendo até o seu efetivo depósito, salvo disposição superveniente que estabeleça outro índice de correção.

No mesmo sentido, o art. 29 da Lei 13.473/2017 estabelece que a atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição, bem como das requisições de pequeno valor expedidas no ano de 2018, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2018, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial (IPCA-E) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da data do cálculo exequendo até o seu efetivo depósito, exceto se houver disposição superveniente que estabeleça outro índice de correção.

Espera-se, assim, que as apontadas divergências sejam definitivamente superadas, notadamente porque envolvem decisões de Tribunais Superiores, cabendo acompanhar os desdobramentos finais da evolução da jurisprudência a respeito do relevante tema.

Princípio da presunção de inocência e regra da prisão (não cautelar) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidade de Sevilla. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor Fiscal do Trabalho.

Discute-se se, no sistema jurídico brasileiro, para a prisão, exige-se, ou não, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A resposta dessa questão impõe a diferenciação entre o princípio da presunção de inocência e a regra da prisão em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado.

O princípio da presunção de inocência é assegurado no art. 14, item 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 226/1991 e promulgado pelo Decreto 592/1992, ao assim estabelecer: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

No mesmo sentido dispõe o art. 8, item 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, promulgada pelo Decreto 678/1992.

Trata-se de norma que faz parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos, cabendo lembrar que os direitos e garantias expressos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988), como ocorre no caso em questão.

Vale dizer, o princípio da presunção de inocência é direito humano, no âmbito jurídico internacional, e direito fundamental, no plano constitucional.

Diversamente, a prisão em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado, em verdade, é prevista em norma jurídica com natureza de regra, tendo como fundamento o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, ao assim estabelecer: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Não se trata, nesse caso, de “mandamento de otimização” (Robert Alexy), a ser aplicado conforme as condições de fato e de direito que se fizerem presentes, e que poderia deixar de incidir em razão de outros princípios em colisão em cada caso concreto, mas sim de determinação (regra) a ser integralmente cumprida justamente na forma como validamente estabelecida.

Reconhece-se que a literalidade do mencionado preceito constitucional não prevê que ninguém será “preso” até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas sim que ninguém será “considerado culpado” até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Entretanto, no contexto jurídico-constitucional, essa prisão (que não tem natureza cautelar) decorre, evidentemente, de ser o sujeito considerado culpado.

Não ser alguém considerado culpado, mas, ainda assim, determinar-se a sua prisão (não cautelar), seria nítida contradição lógico-jurídica, esvaziando-se por completo a mencionada garantia e determinação (regra) constitucional[1].

É certo ainda que a Constituição da República, no art. 5º, inciso LXI, estabelece que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Não obstante, essa norma constitucional, também com natureza de regra, obviamente, versa sobre a prisão cautelar, dizendo respeito, em essência, à prisão em flagrante, à prisão preventiva e à prisão temporária[2].

Vale dizer, o art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal de 1988 não dispõe sobre a prisão decorrente de sentença condenatória. Nessa hipótese específica, de prisão não cautelar, incide o já mencionado art. 5º, inciso LVII, da Constituição, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Como se pode notar, para a prisão decorrente de sentença penal condenatória, isto é, para a prisão não cautelar, a norma constitucional exige, invariavelmente, o trânsito em julgado.

Reitere-se que se a pessoa, segundo a regra constitucional, não é considerada culpada até o trânsito em julgado, levá-la à prisão, mesmo assim, sem que esta tenha natureza cautelar, seria manifesta contrariedade à garantia fundamental em destaque, eliminando-a, em termos práticos, por completo.

Justamente por isso, e em plena harmonia com as regras do art. 5º, incisos LVII e LXI, da Constituição da República, o art. 283 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 12.403/2011, assim determina: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Reitera-se, portanto, a regra jurídica de que a prisão não cautelar decorrente de sentença penal condenatória exige, sempre, o trânsito em julgado desta.

Ou seja, como anteriormente explicitado, exceto nos casos de prisão em flagrante delito, de prisão temporária e de prisão preventiva, para a prisão não cautelar, decorrente de sentença penal condenatória, é imprescindível o seu trânsito em julgado.

Como registro final, frise-se que a conclusão apresentada, como não poderia deixar de ser, resulta da rigorosa interpretação estritamente jurídica das normas incidentes quanto ao tema.

Conheça o catálogo do autor clicando aqui.

[1] “O postulado constitucional da não culpabilidade impede que o Estado trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem” (STF, 2ª T, HC 89.501, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12.12.2006, DJ de 16.03.2007).

[2] “Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que a prisão cautelar não viola o princípio constitucional da presunção de inocência, conclusão essa que decorre da conjugação dos incisos LVII, LXI e LXVI do art. 5º da CF” (STF, 1ª T, HC 71.169, Rel. Min. Moreira Alves, j. 26.04.1994, DJ de 16.09.1994).

Reforma trabalhista e alterações na jurisprudência dos tribunais do trabalho: constitucionalidade

GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira 27. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, ex-Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, com início de vigência em 11 de novembro de 2017 (art. 6º), alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e as Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho[1].

No presente texto, propõe-se examinar a constitucionalidade da atual previsão relativa à modificação das súmulas e outros enunciados de jurisprudência dos Tribunais do Trabalho.

O art. 702, inciso I, alínea f, da CLT, acrescentada pela Lei 13.467/2017, dispõe que ao Pleno do Tribunal Superior do Trabalho compete estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos 2/3 de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, 2/3 das turmas em pelo menos 10 sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial.

As sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência devem ser públicas, divulgadas com, no mínimo, 30 dias de antecedência, e devem possibilitar a sustentação oral pelo Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional (art. 702, § 3º, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017).

O estabelecimento ou a alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência pelos Tribunais Regionais do Trabalho devem observar o disposto na alínea f do inciso I e no § 3º do art. 702 da CLT, com rol equivalente de legitimados para sustentação oral, observada a abrangência de sua circunscrição judiciária (art. 702, § 4º, da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017).

Argumenta-se, entretanto, que essas previsões, decorrentes da reforma trabalhista, seriam inconstitucionais, por afrontarem, em essência, a autonomia dos tribunais (arts. 96, inciso I, e 99 da Constituição da República), a independência do Poder Judiciário e a separação dos Poderes (art. 2º da Constituição da República).

É certo que os dispositivos em estudo estabelecem maior rigor quanto aos requisitos exigidos para a aprovação e modificação de súmulas e outros enunciados de jurisprudência trabalhista.

Com isso, no plano da crítica ao Direito legislado, naturalmente, pode-se não concordar com a nova determinação legal, no sentido de que não seria a mais adequada em face da atual dinâmica social, econômica e jurídica.

De todo modo, segundo o art. 926 do CPC de 2015, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência, bem como mantê-la estável, íntegra e coerente.

A estabilidade da jurisprudência, portanto, é exigida como forma de se respeitar a segurança jurídica, essencial ao Estado Democrático de Direito (art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988).

Nesse contexto, o art. 926, § 2º, do CPC determina que ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Vale dizer, há necessidade de precedentes para que, em momento posterior, possa ocorrer a edição de súmulas, exigência esta que, pelo mesmo motivo de segurança nas relações jurídicas, revela-se imprescindível também para a sua modificação.

A uniformização da jurisprudência, evidentemente, impõe que ocorra a divergência entre julgados, não cabendo ao tribunal editar súmulas e orientações jurisprudenciais de forma prematura e açodada, mas apenas após o amplo debate, inclusive perante as instâncias inferiores, em observância do contraditório, permitindo a consolidação das teses jurídicas que se mostrarem as mais adequadas.

Frise-se que a jurisprudência passou a ter conotação obrigatória e força nitidamente vinculante em diversas situações, como se observa nos arts. 489, § 1º, inciso VI, e 927 do CPC de 2015, o que confirma a sua relevância cada vez maior na atualidade, inclusive na esfera trabalhista (art. 769 da CLT e art. 15 do CPC de 2015), mas também impõe maior cautela na formulação dos seus enunciados.

Logo, a jurisdição, exercida pelos tribunais, não pode legislar, em respeito ao princípio da separação de poderes. Nesse sentido, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 2º da Constituição Federal de 1988).

Vejamos, ainda assim, os dispositivos da Constituição Federal de 1988 apontados pela tese que defende a inconstitucionalidade dos art. 702, inciso I, alínea f, e §§ 3º e 4º da CLT, incluídos pela Lei 13.467/2017.

O art. 92 da Constituição da República estabelece quais são os órgãos do Poder Judiciário, não tendo qualquer pertinência com o tema em exame, qual seja: a edição e a modificação de súmulas e outros enunciados de jurisprudência.

O art. 96, inciso I, a, da Constituição Federal de 1988 dispõe que compete privativamente aos tribunais “eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos”.

Esse dispositivo constitucional, apesar de reconhecer, como não poderia deixar de ser, que cabe ao próprio tribunal a aprovação de seu regimento interno, não trata da questão voltada à construção da jurisprudência, nem estabelece que os requisitos para a edição e modificação de súmulas e orientações jurisprudenciais devam ser previstos, exclusivamente, no regimento interno (e não em lei).

A matéria relativa à competência e ao funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos dos tribunais, mencionada no art. 96, inciso I, a, da Constituição Federal de 1988, ao versar sobre os regimentos internos, como é evidente, em nada se identifica com a aprovação e alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência.

Em verdade, o referido preceito constitucional, ao determinar que compete aos tribunais elaborar os seus regimentos internos, é expresso no sentido de que devem ser observadas as normas de processo e as garantias processuais das partes.

As “normas de processo” são previstas em lei, de competência privativa da União, conforme art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988, como é o caso dos art. 702, inciso I, alínea f, e §§ 3º e 4º da CLT, e não em normas administrativas, regimentais ou internas dos tribunais.

Na mesma linha, as “garantias processuais das partes” são aquelas decorrentes de normas constitucionais e legais, em respeito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República).

Não cabe aos tribunais, assim, em afronta ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição da República), legislar em matéria processual, seja por meio do regimento interno ou de outras modalidades de atos administrativos e judiciários, como resoluções e instruções normativas.

Mesmo porque, no Estado Democrático de Direito, tendo em vista o princípio da legalidade, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, da Constituição da República).

Reconhece-se que, na esfera cível, o Código de Processo Civil de 2015, com natureza de lei, adotou critério distinto quanto à edição de enunciados de súmulas correspondentes à jurisprudência dominante dos tribunais, ao remeter o tema à “forma estabelecida” e aos “pressupostos fixados no regimento interno” (art. 926, § 1º, do CPC).

No âmbito trabalhista, o rigor para isso passou a ser maior, conforme a atual previsão legal específica, a qual pode até não ser a mais oportuna ou adequada, no plano da crítica ao Direito positivo, mas não necessariamente inconstitucional.

O art. 99 da Constituição da República, por sua vez, dispõe que ao “Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”.

A mencionada disposição, apesar de relevante, não diz respeito à uniformização da jurisprudência, mesmo porque trata de tema bem diverso, qual seja, a autonomia do Poder Judiciário nos planos administrativo e financeiro.

Em síntese, não há qualquer preceito constitucional que exclua da lei a competência para estabelecer os requisitos da uniformização da jurisprudência, nem existe qualquer determinação constitucional no sentido de que a edição e a modificação de súmulas e outros enunciados de jurisprudência sejam matérias exclusivas dos regimentos internos.

A correta análise do sistema jurídico, em verdade, revela justamente o contrário, considerando, inclusive, o princípio da legalidade.

O mencionado art. 926, § 1º, do CPC de 2015, como norma legal, na esfera cível, é que faz remissão à forma e aos pressupostos do regimento interno para os tribunais cumprirem o dever de editar enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

No processo do trabalho, entretanto, a norma legal expressa e específica do art. 702, inciso I, alínea f, da CLT determina, diretamente, os requisitos a serem observados, justamente para evitar a aprovação e a alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência sem o prévio e amplo debate, notadamente sem que a divergência se materialize, primeiramente, perante as instâncias inferiores da Justiça do Trabalho.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.105/DF, por sua vez, especificamente quanto ao art. 7º, inciso IX, da Lei 8.906/1994, que previa o direito do advogado de sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, “após o voto do relator”, como parece claro, não tratou da temática em exame, voltada aos requisitos para a edição ou modificação de súmulas e outros enunciados de jurisprudência (matéria processual). Bem diversamente, a decisão da medida cautelar na referida demanda, faz menção a questões relativas à “ordem no julgamento”, ou seja, ao “funcionamento” e à “economia dos tribunais”, nesses casos, de competência do regimento interno[2].

Reconhece-se, entretanto, que a tendência é o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidir, incidentalmente (art. 97 da Constituição da República), no sentido da inconstitucionalidade dos art. 702, inciso I, alínea f, e §§ 3º e 4º da CLT, incluídos pela Lei 13.467/2017, como já se manifestou a Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos, ao opinar, em parecer datado de 22 de fevereiro de 2018, no processo TST-E-RR-696-25.2012.5.050463, no sentido de que seja “declarado o afastamento da sua aplicação no processo de criação e alteração de súmulas e demais enunciados de jurisprudência do TST”.

Ainda assim, não se pode deixar de salientar que o mesmo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução Administrativa 1.937, de 20 de novembro de 2017, aprovou o novo texto do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

Desse modo, conforme o art. 75, inciso VII, do atual Regimento Interno do TST, compete ao Tribunal Pleno “estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos 2/3 (dois terços) de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, 2/3 (dois terços) das turmas, em pelo menos 10 (dez) sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial”.

Reitera-se, assim, a mesma previsão do art. 702, inciso I, alínea f, da CLT, o que acarretará nítida contradição na hipótese de o mesmo Tribunal Pleno, poucos meses depois, decidir pela inconstitucionalidade dessa previsão legal.

Da mesma forma, o art. 125, § 2º, do atual Regimento Interno do TST, reiterando o art. 702, § 3º, da CLT, determina que as “sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência deverão ser públicas, divulgadas com, no mínimo, 30 (trinta) dias úteis de antecedência, e deverão possibilitar a sustentação oral pelo Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional”.

Ademais, ainda que o Pleno do TST decida pela inconstitucionalidade dos art. 702, inciso I, alínea f, e §§ 3º e 4º da CLT, incluídos pela Lei 13.467/2017, e passe a seguir apenas as regras do Regimento Interno do TST, estas, como demonstrado, estabelecem atualmente no mesmo sentido da lei em vigor.

O disposto no anterior Regimento Interno, a rigor, não teria como ser aplicado, pois foi revogado pela norma regimental mais recente e diversa, na forma do art. 364 do atual Regimento Interno do TST, ao estabelecer a revogação das disposições em contrário.

Ainda que se considerasse que o art. 702 da CLT teria sido tacitamente revogado pela Lei 7.701/1988, e que não caberia à Lei 13.467/2017 acrescentar inciso e parágrafos a esse dispositivo, as previsões contidas nos art. 702, inciso I, alínea f, e §§ 3º e 4º da CLT, apresentam plena compreensão, sentido, alcance, aplicabilidade e validade. A alegação, nesse aspecto, restringe-se ao plano da crítica à técnica legislativa, que não teria sido a mais indicada, mas sem aptidão para invalidar as novas disposições legais.

Por fim, mesmo que o Pleno do TST, como parece provável, decida no sentido da inconstitucionalidade dos art. 702, inciso I, alínea f, e §§ 3º e 4º da CLT, incluídos pela Lei 13.467/2017, a matéria certamente chegará ao Supremo Tribunal Federal, que, espera-se, possa corrigir os rumos da questão.

Cabe, assim, acompanhar os desdobramentos dessa relevante e controvertida matéria, relativa à atividade jurisdicional e à consolidação da jurisprudência.

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[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista. 3. ed. Salvador, JusPodivm, 2018.

[2] A ementa da decisão final, na realidade, tem a seguinte redação: “Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 7º, IX, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Sustentação oral pelo advogado após o voto do relator. Impossibilidade. Ação direta julgada procedente. I – A sustentação oral pelo advogado, após o voto do Relator, afronta o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes. II – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, IX, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994” (STF, Pleno, ADI 1.105/DF, Rel. p/ Ac. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 04.06.2010).

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Atualidades

Usos e costumes trabalhistas

No Direito do Trabalho, a conduta habitual do empregador que seja mais benéfica do que a previsão mínima contida na lei passa a ser obrigatória, em face do princípio da condição mais benéfica e do disposto no art. 468 da CLT. Além disso, um dos requisitos do salário in natura é justamente a habitualidade na concessão da utilidade (art. 458, caput, da CLT). Da mesma forma, o art. 460 da CLT estabelece que, na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente (ou seja, costumeiramente) pago para serviço semelhante. Isso revela a importância do costume no âmbito da relação de emprego.

O art. 8º, caput, da CLT explicita que os usos e costumes também podem ser utilizados na falta de disposições legais e contratuais, ou seja, como forma de integração do ordenamento jurídico no Direito do Trabalho.

Trecho extraído da obra “Curso de Direito do Trabalho”. Conheça a obra clicando aqui.


Direito do trabalho e fontes costumeiras

Os usos e costumes são considerados fontes formais também no Direito do Trabalho. Trata-se de conduta reiteradamente praticada e observada pelo grupo social ou comunidade, que a considera juridicamente obrigatória.

O costume pode ser enfocado como conduta que abrange grupo de maior alcance, enquanto o uso é mais restrito.

O costume contra legem é aquele que viola a norma legal, não sendo, por isso, válido. O costume secundum legem refere-se à conduta que já está prevista na própria lei. Por fim, o costume praeter legem significa aquele que, embora não previsto em lei, não a afronta, sendo aceito pelo sistema jurídico, podendo, ainda, ser aplicado no caso de lacuna da lei.

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Direito constitucional processual e processo do trabalho

Observa-se na Constituição um conjunto de normas processuais, dando origem ao chamado Direito Constitucional Processual, dispondo, por exemplo, a respeito das garantias da inafastabilidade do controle jurisdicional, contraditório, ampla defesa, devido processo legal.

Portanto, a Constituição, como norma fundamental, passa a influenciar diretamente o processo, inclusive o Direito Processual do Trabalho, cuja instrumentalidade é voltada, em especial, à atuação do Direito material do Trabalho e dos direitos fundamentais incidentes às relações de labor.

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Convenções e acordos coletivos de trabalho

Como já mencionado, quando existente conflito coletivo de trabalho, o ideal é que as partes envolvidas o resolvam de forma negociada, por meio da autocomposição. A negociação coletiva é um procedimento que pode dar origem a normas jurídicas, dispondo, inclusive, sobre condições de trabalho de forma genérica e abstrata. Assim, o acordo coletivo e a convenção coletiva de trabalho são considerados fontes formais decorrentes da autonomia coletiva dos particulares.

A convenção coletiva põe fim a conflitos coletivos envolvendo a categoria profissional e a categoria econômica. Assim, em princípio, é firmada pelos respectivos sindicatos de trabalhadores e empregadores.

O acordo coletivo é o instrumento normativo negociado firmado entre o sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas, solucionando conflito coletivo envolvendo os empregados de uma ou mais empresas e seus empregadores.

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Direito processual do trabalho e teoria geral do processo

Merece ênfase o reconhecimento de que o Direito Processual do Trabalho, em termos científicos, está inserido na Teoria Geral do Processo, tendo em vista que os princípios e institutos essenciais são nela sistematizados.

Não há como afastar o processo do trabalho dos estudos mais amplos da ciência processual, enfocando valores e objetivos a serem alcançados, com o fim de obter a pacificação social com justiça e a efetividade da decisão judicial.

Pela mesma razão, os preceitos constitucionais, voltados à garantia de acesso à justiça, são diretamente aplicados ao processo do trabalho, no sentido de assegurar que o conflito social seja solucionado de forma justa e célere.

Trecho extraído da obra “Curso de Direito Processual do Trabalho”. Conheça a obra clicando aqui.

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